O grupo de pesquisa Rede Mobilidade Periferias desenvolveu o aplicativo Sufoco, com o objetivo de criar uma rede colaborativa de dados para ajudar a mapear e relatar problemas no transporte público, uma rotina comum para moradores das periferias e favelas de São Paulo.
Passar sufoco no transporte coletivo faz parte da rotina do morador da quebrada, porém em meio a pandemia do novo coronavírus a má qualidade do serviço público ganhou mais um problema: o risco dos passageiros serem contaminados pela covid-19.
Foi pensando nisso que a Rede Mobilidade Periferias, um grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), formado por pesquisadores e estudantes que moram e vivem o cotidiano das periferias, criou o aplicativo Sufoco [disponível para Android], para mapear de maneira colaborativa e em tempo real os alertas dos passageiros que estão em situação de aglomeração no transporte público de São Paulo.
O professor de geografia da Unifesp Ricardo Silva, morador da Penha, na zona leste da cidade, revela que suas pesquisas deram embasamento para a criação do app. "Eu fui estudar transporte e mobilidade e, especialmente no doutorado, percebi que as pessoas entrevistadas reclamavam muito sobre essa questão da lotação, que não é um tema muito levado em consideração, até mesmo no campo da mobilidade", diz.
Ferramenta colaborativa
Para criar o app foram realizados debates e diálogos com as pessoas, para construir uma ferramenta digital em formato de mapeamento colaborativo, na qual os passageiros do transporte público pudessem denunciar situações de superlotação.
"Imagina a construção de mapas a partir dos interesses das pessoas que vivem nos lugares ou que sofrem as dificuldades no dia a dia, como a mobilidade, e revelar esses problemas a partir das vivências delas", afirma Silva. Em meio a esse processo, o professor buscou mostrar o quão letal seria a pandemia de coronavírus para os moradores das periferias e favelas de São Paulo.
"No começo da pandemia, em março, eu fiquei muito atento em produzir mapas e buscar dados, que de alguma forma pudessem revelar a letalidade do coronavírus nas periferias", diz.
Silva afirma que o problema de mobilidade urbana vai além do planejamento da cidade. "A mobilidade como um direito, não simplesmente como mercadoria. A mobilidade como mercadoria é isso: um transporte lotado que atende aos interesses mercadológicos. Para as grandes corporações, é interessante que se tenha o transporte lotado, dá mais lucro", afirma. "Direito à cidade é pensar o transporte público, gratuito, de qualidade, e a cidade acessível, para além dessa lógica mercadológica", acrescenta.
Como o app funciona?
O app Sufoco possibilita que os usuários apontem situações de lotação escolhendo o tipo de coletivo como ônibus, metrô e trem. Além disso, a partir dos dados relatados pelos passageiros será possível acessar informações sobre qual linha tem maior recorrência de lotação. Para que esses dados transpareçam a realidade que os moradores estão vivendo no transporte público naquele momento, os próprios usuários podem fornecer os dados em tempo real.
Imagem: Reprodução
"Esses dados com esses problemas podem ser das próprias pessoas, que estão nessa condição de lotação do transporte. Elas podem ajudar a construir um mapa de maneira colaborativa", diz Silva. Além do professor, o aplicativo teve a colaboração do estudante e desenvolvedor de software Leonardo Garcez. Serginho Lima, morador do Jardim Eliane, zona leste de São Paulo, participou da fase de testes do app como colaborador comunitário. Ele conta como foi a experiência:
"Você coloca a linha de ônibus e o app dá algumas questões para você escolher se está usando o transporte como lotado, com aglomeração, sem aglomeração ou se você não conseguiu entrar. Eu achei bastante simples", diz. Durante o uso do aplicativo, Lima diz que sempre classificava a linha de ônibus do bairro na categoria lotado, independente do horário, se era horário de pico ou não.
"A gente tem a linha 253F (Terminal A.E. Carvalho/ Terminal São Mateus) aqui no bairro. Todos os anos a gente tem que brigar para que eles não tirem a linha daqui", diz Lima. Ao mesmo tempo, segundo o morador, a população do bairro não para de crescer, o que aumenta ainda mais a demanda por um transporte público.
Para Lima, a produção desses dados pode ser uma oportunidade para cobrar medidas mais efetivas. "Não tem nada nos meios oficiais para a gente refutar questões que a própria Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes coloca. Então essa produção de dados independentes é uma coisa muito boa", diz. "Você vê que ninguém tem proposta para transporte público, não tem plano para periferia", acrescenta.
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