Diante de um novo mundo de sucessivos colapsos econômicos e ambientais, conflitos, migrações em massa e ascensão de governos que se aproveitam dessas crises para atacar a democracia, São Paulo, maior economia municipal da América do Sul, pode liderar a construção de um pacto ecológico e inclusivo no contexto latino-americano.
O chamado “Green New Deal” já vem sendo discutido ao redor do mundo. O termo alude ao “New Deal”, conjunto de medidas econômicas radicais tomadas pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, nos anos 1930, para reverter os efeitos da Grande Depressão.
Uma nova economia demanda um novo modelo de planejamento e gestão de nossas cidades. Já possuímos o conhecimento necessário e não é mais uma questão de se, mas de quão rapidamente podemos fazer essa transição. As prioridades são a reestruturação urbana, ambiental e produtiva, como estabelece o Plano Diretor. Em sua função de qualificar o debate sobre as cidades, o Instituto de Arquitetos do Brasil - São Paulo (IAB-SP) gostaria de apresentar as medidas que considera centrais:
1) Implementar projetos na orla dos principais rios e ferrovias da cidade —antigas áreas industriais hoje subutilizadas—, com estímulos para novas atividades produtivas e criação de empregos. A prefeitura poderá leiloar cerca de 55 milhões de m2, arrecadando entre R$ 7 e 9 bilhões para a implantação de ciclovias, calçadas, moradias sociais, áreas verdes, corredores de ônibus etc.;
2) Desenvolver projetos participativos de transformação urbana e social nas periferias, hoje fragmentados e descontínuos pois capturados pelo poder político local, que negocia cargos em equipamentos e subprefeituras. Reforma-se uma praça, mas sem preocupação com conservação, e logo o esforço se perde. Um planejamento adequado é necessário para melhorar a qualidade de vida em lugares como Cidade Tiradentes, onde os moradores vivem em média 23 anos a menos do que os habitantes de Moema;
3) Construir todos os corredores de ônibus previstos no Plano Diretor para estabelecer novas centralidades urbanas, criando no entorno 10 milhões de m2 em potencial construtivo para habitação próxima ao transporte;
4) Criar uma instância capaz de gerir políticas de ocupação de imóveis ociosos, valorização do patrimônio histórico e inclusão produtiva da população marginalizada no centro da cidade. Programas muito bem-sucedidos têm mobilizado pessoas em situação de rua para o trabalho na zeladoria urbana em troca de salário e moradia, enquanto recebem assistência de saúde e psicológica.
5) Regionalizar o Orçamento municipal - cuja projeção de investimentos para a próxima gestão é de R$ 11,5 bilhões - proporcionalmente à necessidade de cada uma das 32 subprefeituras, a partir de critérios socioambientais, conforme recomenda o projeto (Re)age SP. Apenas 9,3% do gasto proposto em 2020 tem a localização informada no orçamento, o que gera distorções e deseconomias;
6) Integrar políticas sustentáveis no cinturão verde, como a compra pública dos produtos de agricultores orgânicos, que contêm a expansão urbana por grilagem de terras e garantem comida saudável para os alunos de escolas públicas.
A abordagem circular da economia, que considera a interdependência das questões sociais, ambientais e produtivas, potencializa os investimentos públicos e privados ao atacar problemas em conjunto.
Ao favorecer, por exemplo, o deslocamento a pé e de bicicleta, o município economiza com saúde pública ao evitar doenças. Menos doentes, as pessoas faltam menos ao trabalho, fortalecem a economia e geram mais impostos para investimento em transporte coletivo e em infraestrutura na periferia, diminuindo os deslocamentos, o que melhora também a qualidade do ar. Um ciclo que se retroalimenta e favorece a todos.
Se as políticas urbanas, além de integradas, forem interseccionais, levando raça e gênero em consideração - categorias intrinsecamente ligadas a mortes precoces e à vulnerabilidade social -, São Paulo pode liderar o caminho para uma nova política urbana, mais humana e sustentável ambiental e economicamente. Precisamos fazer o pacto social para implementar essas mudanças.
Nota: Artigo publicado originalmente na seção Opinião do jornal Follha de S.Paulo de 17/11/2020. Os autores do texto, arquitetos e urbanistas Fernando Túlio, Gabriela de Matos e Hannah Machado, compartilham a presidência do Instituto de Arquitetos do Brasil - São Paulo
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