Em Brasília, o abandono que custa vidas

Gustavo Rodrigues e Uirá Lourenço denunciam o pouco caso das autoridades de Brasília em relação aos "acidentes" com ciclistas na capital do país

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Fonte: Brasília para Pessoas  |  Autor: Gustavo Rodrigues e Uirá Lourenço  |  Postado em: 30 de outubro de 2020

"Ghost-Bike" lembra o ciclista Ricardo Aragão

créditos: Daniel Ferreira/Metrópoles

Texto: Gustavo Rodrigues e Uirá Lourenço


Pedalar é uma experiência incrível
, não só para lazer e esporte, mas também para se deslocar de forma ágil e saudável. Em tempo de pandemia, a bicicleta se destaca como alternativa de transporte para evitar o contágio pelo Covid no transporte coletivo e, ao mesmo tempo, combater o sedentarismo. Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso da bicicleta durante a pandemia e diversas cidades do mundo estão investindo em mobilidade ciclística, com mais infraestrutura e espaço para quem pedala.


O Distrito Federal apresenta grande potencial para a mobilidade ativa (não motorizada), com muitos grupos de ciclismo e quantidade significativa de vias para ciclistas (553 km, segundo a Secretaria de Mobilidade). No entanto, ainda há muitos obstáculos para os ciclistas, incluindo a alta velocidade e a falta de continuidade nas ciclovias.

 

 

Placa de bicicleta na rua

Descrição gerada automaticamenteFoto: Uirá Lourenço

 

A hostilidade da cidade com quem se desloca sem carro se traduz em atropelamentos e mortes, que acontecem com certa frequência. Em menos de uma semana, três ciclistas foram atropelados na Asa Norte. Na W4, a ciclovia padece de um problema comum, que inibe os que pedalam à noite: a falta de iluminação. Outro problema é a alta velocidade da via. Apesar dos radares indicarem a velocidade máxima de 50 km/h, muitos condutores excedem o limite de velocidade onde não há fiscalização, colocando em risco a vida de quem transita pela região.


No dia 9/10, o ciclista Ricardo Aragão, de 58 anos, foi morto enquanto pedalava com a amiga Nádia, que também foi atropelada. O motorista fugiu sem prestar socorro e só foi localizado graças ao esforço de investigação policial. Na semana seguinte, no Eixão Norte, dois adolescentes foram atropelados enquanto tentavam atravessar. De acordo com o Detran/DF, nove ciclistas já morreram em 2020.


No ano passado, foram 22 ciclistas mortos, sem contar os feridos. Entre as muitas vítimas estão Ricardo na W4, Francisco na L4, Maurício no Lago Sul, Ilda e Anísio na BR-020, Raul na L2 e Pedro no Eixão. Vidas perdidas e famílias destroçadas pela violência nas pistas. No dia 18/10 (domingo) parentes e vários ciclistas se reuniram, com apoio da ONG Rodas da Paz, para instalar bicicletas brancas (ghost bikes) em homenagem a três ciclistas mortos.

 

Grupo de pessoas em rua durante o dia

Descrição gerada automaticamenteBicicletada no dia 19/10: homenagem a três ciclistas mortos em Brasília Fotos: Uirá Lourenço



Não dá para tolerar essas tragédias. Cidades modernas adotam a Visão Zero, em que nenhuma morte no trânsito é aceitável. Já passou da hora de Brasília ter um programa sério, com metas e ações concretas de infraestrutura, educação e fiscalização. Redução da velocidade é um dos requisitos básicos para aumentar a segurança de todos – pedestres, ciclistas e motoristas. Vias como Eixão e L4 têm limite de 80 km/h, incompatível com a vida. Por que não começar com a redução desses limites e criar zonas 30 (regiões com menor velocidade) em todo o DF? E por que não garantir a continuidade das ciclovias, com iluminação e travessias seguras?

 

Exemplos do descaso: falta de continuidade e escuridão no caminho do ciclista Fotos: Uirá Lourenço



De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (art. 1º, § 2º), o trânsito em condições seguras é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. O texto vai além e estabelece a responsabilidade dos órgãos perante os cidadãos no caso de omissão ou erro de execução de programas e projetos quenão garantam o exercício do direito ao trânsito seguro, resultando em danos, ou seja, a perda da vida. Seguindo essa lógica, cada vida, não importando o modo de transporte, deve ser protegida pelo poder público. Na prática, porém, pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência não possuem preferência nas políticas públicas de mobilidade. A prova disso são os recursos multimilionários gastos em recapeamentos, alargamento de pistas e construção de túneis e viadutos, uma política rodoviarista de incentivo ao automóvel que perdura no DF.

 

Apesar dos 553 km de infraestrutura cicloviária, pedalar no DF é atividade de alto risco. Embriaguez ao volante e alta velocidade estão entre os principais impeditivos para um trânsito mais seguro. Se a legislação existe e a sociedade não a internaliza, as tragédias continuarão. Quando os órgãos de trânsito vão entender a necessidade de melhorar a formação de condutores, reduzir as velocidades e aplicar punições sérias? Quando vão superar a dominância do automóvel, incentivar de verdade a mobilidade ativa e salvar vidas?

Aos motoristas, fica o recado: ao ver um ciclista, reduza a velocidade e mantenha distância segura. A pressa não vale uma vida. Na bicicleta vai um pai, uma mãe, um amigo. E sempre que beber, não dirija. Pense assim e todos chegam bem em seus destinos!

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Brasília para Pessoas mantém seção específica sobre a violência no trânsito, em que estão reunidos artigos, fotos e notícias sobre o tema: https://brasiliaparapessoas.wordpress.com/noticias/violencia-no-transito-df/.


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