'Rei do asfalto', Covas vende mobilidade, mas privilegia o carro

Prefeitura diz que recapeamento e tapa-buraco são uma das principais demandas no 156. Leia a avaliação da gestão segundo matéria da Folha de S. Paulo

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Fonte: Folha de S. Paulo  |  Autor: Artur Rodrigues e Thiago Amâncio  |  Postado em: 26 de outubro de 2020

Candidato aparece ao volante na propaganda eleitor

Candidato aparece ao volante na propaganda eleitoral

créditos: Mister Shadow/Estadão Conteúdo

Atual prefeito e postulante à reeleição em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) tem se vendido como candidato que aposta na mobilidade urbana, tema que, segundo ele próprio, é um dos mais importantes da campanha. Sua gestão à frente da prefeitura, no entanto, privilegiou o recapeamento de ruas à criação de corredores de ônibus ou reforma de calçadas e acabou colocando os carros em primeiro lugar.

 

Covas foi eleito em 2017 como vice de João Doria (PSDB), que prometia construir 72 km de corredores de ônibus. Depois que Doria renunciou ao cargo para disputar o governo estadual, Covas assumiu e baixou a meta para apenas 9 km.

 

No entanto, nem isso entregou até o momento. Segundo a própria gestão Covas, desde 2017 foram feitos 6,6 km de novos corredores exclusivos, tidos como essenciais para aumentar a eficiência dos ônibus na cidade.

 

A prefeitura diz que os corredores não foram construídos porque não recebeu recursos do Ministério das Cidades e "decidiu focar em melhorar o que já existe", reformando 116 km de vias exclusivas.

 

De 2017 a 2020, a prefeitura orçou inicialmente R$ 1,5 bilhão com corredores, a maior parte desse valor (R$ 691 milhões) para construção de novas unidades. No entanto, nos quatro anos da gestão Doria-Covas, foram gastos R$ 245 milhões, 16% do previsto inicialmente —o orçamento depois foi revisto para a casa dos R$ 660 milhões.

 

A atual gestão já começou com Doria aumentando os limites de velocidade das marginais Tietê e Pinheiros, promessa de campanha que foi um aceno aos motoristas. Quando se olham os gastos, novamente este público é contemplado.

 

Nas obras de recapeamento de asfalto e tapa-buraco que se pode ver por toda a cidade, a gestão gastou R$ 1,043 bilhão, 63% do orçado inicialmente de R$ 1,648 bilhão.

 

No entanto, ao longo da gestão essa previsão subiu para quase R$ 2,5 bilhões. Segundo a gestão, foi batida com antecedência a metas de recapear 3.600.000 m² de vias.

 

Os gastos com recapeamento foram impulsionados pelo programa Asfalto Novo, usado por João Doria para se eleger governador e depois continuado por Covas.

 

A prefeitura diz que esses serviços fazem parte da manutenção da cidade e que estão entre os principais motivos de ligação para o 156, e citou que recursos de privatizações frustrados e também de repasses federais afetaram obras de calçadas e corredores.

 

Privatizações

Entusiasta das desestatizações, a gestão Covas tentou duas vezes conceder os terminais de ônibus da cidade à iniciativa privada, argumentando que melhoraria a qualidade do espaço e do entorno, mas não teve sucesso.

 

A gestão Covas também reduziu o número de embarques permitidos com uma única tarifa do vale-transporte de quatro embarques em duas horas para dois em três horas, além de cobrar R$ 4,57 nessa modalidade em vez dos R$ 4,30 da tarifa comum à época, em 2019.

 

A prefeitura justifica que com isso economizou mais de R$ 400 milhões que podem ser investidos em outras áreas e que não houve prejuízo para o trabalhador.

 

Mesmo a criação de vias exclusivas para bicicletas acabou sendo errática. Da noite para o dia, ciclovias importantes da cidade amanheceram apagadas, sem nenhum aviso, como a faixa da rua Artur de Azevedo, importante ligação entre a Faria Lima e a região do fim da avenida Paulista e rua Dr. Arnaldo, todas na zona oeste.

 

Após queixas e mobilização, a prefeitura espalhou cartazes afirmando que a faixa estava sendo refeita e que seria implantada depois e espalhou cones para delimitar o espaço dos ciclistas, privilégio que outras regiões da cidade não tiveram enquanto as faixas não eram reimplantadas.

 

Ainda houve outras exemplos de descoordenação, como a requalificação da ciclofaixa da Rego Freitas, na região da República. A via foi apagada em fevereiro para requalificação e em abril deste ano foi refeita. Mas a novidade não durou seis meses. Em setembro, uma obra mexeu em todo o asfalto e mais uma vez apagou a ciclofaixa, então recém-implantada. A via para bicicletas ainda hoje não foi refeita.

 

A prefeitura diz que a obra foi feita pela Sabesp (companhia de saneamento), que também fará novamente a sinalização da ciclofaixa.

 

"Ciclofinas"

Também houve avanços e atendimentos de demandas antigas de faixas exclusivas, como na avenida Rebouças. A maior queixa na região, no entanto, é que a faixa ficou muito estreita, porque considera como espaço de circulação a calha da rua, reduzindo o espaço para ciclistas e facilitando acidentes.

 

A gestão Covas diz que recapeou o piso e fez reforma nas guias e sarjetas para deixar o espaço nivelado, com 1,2 metro de largura, mas a reportagem passou pelo local e viu que a calha continua desnivelada.

 

A prefeitura diz que o espaço vai proporcionar mais segurança aos cerca de 700 ciclistas que já circulavam diariamente por lá mesmo sem estrutura exclusiva e que o retorno tem sido positivo.

 

Os balanços financeiros mostram que nos quatro anos a administração gastou R$ 76 milhões na reforma de calçadas, menos de 10% do previsto —segundo a gestão, a variação entre os valores orçados e empenhados se dá porque parte dos investimentos seria custeada por recursos do Plano de Desestatização que não se concretizaram.

 

Com a proximidade das eleições a reforma de calçadas ganhou novo gás e o centro da cidade virou uma espécie de canteiro de obras, com reformas constantes.

 

A prefeitura afirmou ainda que está fazendo o "maior programa de caminhabilidade, com o foco na acessibilidade, no qual estão sendo requalificadas 1,5 milhão de m² de calçadas até o final deste ano em toda a cidade, com o investimento de R$ 140 milhões".

 

A prefeitura diz que o investimento não prevê somente a reforma, mas instituiu um novo padrão de acessibilidade. Questionada sobre porque as obras começaram próximo das eleições, a gestão diz que o projeto é "executado de acordo com as disponibilidades financeiras" e que "a atual gestão vai até 31 de dezembro".

 

A gestão Covas frisou que usa valores empenhados por considerar um "retrato mais acurado", em vez do orçamento liquidado, usado pela reportagem. Segundo a pasta, por este recorte, foram empenhados R$ 368,7 milhões nos corredores, R$ 181 milhões nas calçadas e R$ 1,7 bilhão em recapeamento e tapa-buracos.

 

Para Rafael Calabria, do Idec (Instituo Brasileiro de Defesa do Consumidor), o desempenho da gestão Covas na área de mobilidade foi insatisfatório, tanto por omissão em debates importantes como por paralisia em outras áreas.

 

"A gestão é fraca, nem comparada ao Haddad, que fez ciclovias. É fraca comparada ao Kassab, que não é reconhecido pelo trabalho com mobilidade, mas que foi quem fez as ciclofaixas do lazer, as bicicletas compartilhadas e começou a pensar a redução de velocidade máxima", diz.

 

Ele cita ainda a dificuldade de continuidade de programas em uma gestão que teve quatro secretários de transporte e a confusão com os bloqueios em avenidas e rodízio severo no começo da pandemia, medidas revogadas dias depois de serem anunciadas.

 

Como ponto positivo, ressalta o bloqueio de trânsito de carros no centro histórico nas últimas sextas-feiras do mês, mas ressalta que é muito pontual.

 

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