Baterias ou células de combustível?

O especialista Roberto Schaeffer discute a eletrificação do transporte e aponta caminhos para evitar a poluição gerada pelas baterias

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 21 de outubro de 2020

Ônibus elétrico com sistema de carga rápida

Ônibus elétrico com carga rápida em teste na Europa

créditos: Foto: Sustainable Bus

Nesta entrevista, o professor Roberto Schaeffer discute as possibilidades de transição do sistema de mobilidade do Brasil para veículos com baixas emissões de poluentes e de carbono. Professor titular de Economia da Energia do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Schaeffer é formado em engenharia, pós-doutorado em política energética e especialista em modelos de avaliação integrada em energia, uso do solo e mudanças climática



Roberto Schaeffer
(Foto: Coppe/UFRJ)


Alguns especialistas dizem que o futuro da mobilidade é elétrico. O senhor concorda com essa ideia?
Em resumo, a resposta é sim. Motores a combustão têm uma eficiência abaixo de 30%, enquanto os motores elétricos estão acima dos 90%. Veículos elétricos têm a grande a vantagem de evitar a poluição do ar nas cidades, especialmente no Brasil, onde mais de 80% da energia elétrica vem de fontes renováveis. Mesmo que parte da energia elétrica ainda seja produzida com base em combustíveis fósseis, como carvão e óleo, afastam-se os poluentes das cidades, o que resulta em um impacto positivo para as pessoas e grande economia de recursos no sistema de saúde pública.


Aqui no Brasil parece haver uma resistência dos operadores de transportes públicos em migrar suas frotas para veículos elétricos. Quando teremos essa transição por aqui?O problema, aqui no Brasil é que os operadores de ônibus mantêm a prática de revenda de ônibus, quando eles ultrapassam certo tempo de circulação. Eles resistem em mudar porque um ônibus elétrico é muito mais durável e pode circular durante dez ou quinze anos, sem grande manutenção mecânica. E ficará mais difícil revender esses carros usados para as cidades de menor porte.A Europa estabeleceu metas e está substituindo suas frotas por veículos elétricos e nos próximos dez anos os veículos a combustão não serão mais vendidos por lá. No Japão, as maiores fabricantes de veículos já estão fabricando veículos elétricos de segunda geração. E na China, aquelas motocicletas poluentes foram banidas e trocadas por bicicletas e motos elétricas. Então, mesmo em países periféricos, como é o Brasil, a tendência é a eletrificação de toda a frota nos próximos vinte anos. E acho também que não haverá mais lugar para carros particulares, porque não valerá mais a pena ter um carro parado na garagem. Eu acredito mais no uso de carros compartilhados, ônibus, trens e outros modos coletivos de transportes.

Alternativas como os sistemas híbridos de células de hidrogênio podem se tornar viáveis a curto prazo?
Veículos de células de combustíveis na verdade são elétricos. A principal vantagem da célula de hidrogênio é ambiental, porque ela joga apenas vapor de água na atmosfera. Mas, hoje, a produção de hidrogênio resulta de dois processos: o refino de petróleo ou a hidrólise da água, processo que consome muita energia elétrica. O combustível da célula pode ser hidrogênio, metanol, gás, mas o motor que propulsiona o veículo é sempre um motor elétrico. No Brasil, talvez fosse mais indicado usar biocombustíveis, mas a indústria mundial provavelmente irá impor a tecnologia do hidrogênio.


Reservar a energia parece ser o grande desafio para a eletrificação da mobilidade. Baterias ainda têm muito a evoluir em custo e eficiência?
As baterias evoluíram muito nos últimos dez anos, tanto em capacidade de carga, como no tempo de carregamento. E os preços também caíram drasticamente. Mas, pensando em mobilidade urbana, vale considerar a adoção de veículos coletivos que não precisem de tanta autonomia e que possam ter suas baterias carregadas nas paradas, com sistemas de alta capacidade de carga. Mesmo os trolebus - dotados de alguns bancos de baterias - são uma ótima solução para as cidades. Já nos casos de ônibus ou carros que façam percursos mais longos, é mais vantajoso pensar em células de combustíveis, que oferecem mais autonomia.


Geração fotovoltaica pode ser uma solução para alimentar baterias durante o deslocamento dos veículos?
Existe uma limitação física da captação da energia que é dada pela radiação solar que chega efetivamente até o solo, em torno de 300 W/m2. Então, essa alimentação direta não funcionaria. Mas, fontes fotovoltaicas ou eólicas podem funcionar muito bem para carregar as baterias dos veículos. Em algumas regiões, o vento é mais forte à noite, quando a demanda de energia é mais baixa. Então essa energia pode ser destinada para alimentar as baterias dos trens, ônibus e outros veículos. É até possível imaginar que as baterias dos veículos ociosos funcionem como reserva de energia para devolver essa energia excedente às redes, nos momento de pico. 


Apesar das vantagens dos veículos elétricos, incluindo as bicicletas, a produção, manutenção e descarte dos materiais usados nas baterias também geram danos ambientais, ainda não inteiramente compreendidos. O que fazer com as baterias quando elas se tornam inservíveis para os veículos? Reciclar, usar em instalações fixas?
Baterias perdem sua capacidade de reter carga com o passar do tempo. Mas, veja bem, estive no Japão a convite de uma fabricante de carros e soube que as baterias atuais estão sendo produzidas para durar mais de dez anos, ou toda a vida útil do veículo. Depois desse uso, como você lembrou, as bateriais podem ser utilizadas em instalações estacionárias, como geradores eólicos ou fotovoltaicos.


E quando as baterias "morrem" inteiramente?
Ao final desse ciclo, elas devem ser descartadas e aqui caberia ao poder público estabelecer normas de logística reversa para garantir a destinação correta dos resíduos. É o caso das baterias de ácido-chumbo, que hoje ainda são usadas nas partidas dos carros. Quando você troca a bateria de seu carro, o vendedor é obrigado a levar a bateria velha e enviá-la ao fabricante, que deve dar a destinação adequada. Do ponto de vista técnico, tanto a extração dos minérios como a deposição dos resíduos têm soluções. Qualquer extração mineral passa por um projeto de lavra, que deve prever uma exploração racional e segura das jazidas e uma recuperação ambiental ao final da extração. E os materiais pesados que saem de uma bateria usada precisam ser corretamente tratados e depositados. Mas é necessário normatizar e fiscalizar esses procedimentos e estimular uma cadeia produtiva que trabalhe esse processo de forma controlada. Vale lembrar que alguns países continuam recebendo todo o lixo eletrônico do mundo e lá algumas pessoas fazem o trabalho de desmontar esse material tóxico em condições desumanas...


Nota da Redação:
O professor Roberto Schaeffer integrou uma equipe de especialistas que desenvolveu um estudo coordenado pelo WRI Brasil e pela iniciativa New Climate Economy. O trabalho concluiu que a adoção de uma "economia verde" pelo Brasil geraria 2 milhões de empregos a mais em 2030 e um acréscimo de R$ 2,8 trilhões no Produto Interno Bruto (PIB)  até 2030. Para saber mais, acesse o site do WRI.


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