A pergunta é comum: como se deslocar na cidade com menor impacto ambiental? A crescente adesão de diversos públicos aos modais compartilhados —bicicleta e patinete elétrico— provavelmente partiu do pressuposto de que esses são meios de transporte com menor impacto ambiental.
Mas há estudos alertando o contrário, como o da Universidade da Carolina do Norte publicado pela Environmental Research Letters. Ao consultá-lo, constata-se que resulta de uma ACV (Análise de Ciclo de Vida) do patinete elétrico na cidade de Raleigh. Assim, considera o uso de energia elétrica gerada em grande proporção a partir de combustíveis fósseis, fonte poluente que contribui para o aquecimento global. Já no Brasil, a energia elétrica tem base hidroelétrica, significativamente mais limpa.
Especialistas temem que transporte individual ganhe espaço com a pandemia do coronavírus. Foto: Rovena Rosa/ Ag. Brasil
Vale a pena, então, fazer um estudo a partir das condições brasileiras. Propus uma parceria do Akatu com a Fundação Espaço Eco, uma das principais consultorias em ACV no Brasil, para analisar os impactos ambientais não só do patinete, mas dos diferentes modais em seus ciclos de vida: produção do equipamento, transporte até ser disponibilizado, uso, manutenção e descarte.
Focamos na cidade de São Paulo devido à diversidade de alternativas e hábitos de consumo da população e usamos bases de dados existentes e secundários para reunir as informações que permitiram as análises.
Importante ressaltar que a ACV considera o desempenho ambiental de cada alternativa de transporte, não levando em conta outros fatores na escolha do consumidor, como o econômico, o social, a conveniência, o conforto e a segurança. Seguem os resultados obtidos:
Bicicleta
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: da produção, por sua composição envolver aço e alumínio, materiais com impactos significativos ao serem produzidos.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: o uso compartilhado e o individual são semelhantes no desempenho ambiental.
No individual, se houver uma destinação correta ao fim da vida útil da bicicleta, com a venda de peças em bom estado e a reciclagem dos materiais, pode-se reduzir significativamente o impacto ambiental. No compartilhado, é fundamental o cuidado no uso do equipamento para que permaneça o maior tempo possível em circulação, atendendo a mais pessoas e minimizando os impactos de sua produção.
Ciclovia da Marginal Pinheiros, em São Paulo, reaberta recentemente. Foto: Lauro Rocha
Patinete elétrico
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: da produção, especialmente devido à bateria de lítio, que tem uma carga de impacto muito expressiva.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: a comparação entre os usos individual e compartilhado apresenta diferenças a favor do individual, desde que feito um uso frequente. O principal cuidado por parte do usuário deve ser com a bateria de lítio: para aumentar sua vida útil, ela não deve ser carregada acima de 80% da carga máxima ou descarregada abaixo de 20%.
Também é importante destinar corretamente o patinete ao final de sua vida útil, vendendo ou reciclando peças. Já no uso compartilhado foi identificado uma diminuição da vida útil do patinete de até 50%, principalmente por falta de um uso cuidadoso. Portanto, o consumidor pode mudar este cenário preservando os equipamentos para que atendam a mais pessoas por mais tempo, diminuindo a carga ambiental individual.
Motocicleta
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: de uso e manutenção, devido à utilização de gasolina como combustível, cuja queima libera CO2, gás de efeito estufa que contribui para o aquecimento global, e gera material particulado, responsável por impactos no meio ambiente como a chuva ácida e na saúde humana.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: se a moto permitir, o uso de combustíveis renováveis (como o álcool) é a melhor alternativa para reduzir os impactos. Além disso, é importante realizar manutenções regulares no equipamento para se ter um melhor rendimento e eficiência no consumo do combustível.
Carro
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: de uso e manutenção, pelo mesmo motivo da motocicleta —o uso de gasolina como combustível.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: a preferência pelo uso de combustíveis renováveis, como o álcool, é novamente a melhor alternativa para reduzir impactos. Na mesma direção, a realização de manutenções regulares também contribui. E o uso compartilhado do carro com outras pessoas faz seu impacto ambiental ser distribuído entre os passageiros, diminuindo a carga ambiental individual, além do benefício de evitar as emissões de outros veículos privados.
Ônibus
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: de uso e manutenção, devido à utilização do diesel como combustível, cuja queima emite gases de efeito estufa e material particulado.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: sendo um serviço público, os ônibus circulam independente de quantos passageiros carregam. Como o ajuste de rotas para melhor distribuir o número de passageiros é um processo complexo e o poder de decisão individual do uso do ônibus em horários alternativos é limitado, recomenda-se que os consumidores optem pelo ônibus para tornar seu uso mais bem aproveitado, diminuindo a carga ambiental individual e evitando emissões de veículos privados.
Opção por metrô ou ônibus pode ser menos impactante, pois evita contribuir com emissões do transporte individual. Foto: Lauro Rocha
Metrô
Etapa do ciclo de vida com maior impacto ambiental: de uso e manutenção, devido à tração elétrica que possui um impacto significativo na geração de energia para seu funcionamento.
Como o consumidor pode melhorar o impacto: por também circular independentemente do número de passageiros, recomenda-se o mesmo que no caso do ônibus: ao optar pelo metrô, o consumidor contribui para tornar seu uso mais bem aproveitado, fazendo com que a carga ambiental individual seja menor e evitando emissões de veículos privados.
Conclusões
Em resumo, os principais achados do estudo levam às seguintes recomendações ao consumidor que busca reduzir os impactos ambientais de seu deslocamento: compartilhar os modais, utilizar combustíveis renováveis, cuidar do equipamento durante o uso, fazer manutenções periódicas, descartar corretamente os equipamentos e peças ao fim da vida útil e privilegiar o uso do transporte público.
É claro que nem todas as sugestões se encaixam na rotina e no estilo de vida de cada consumidor. Mas é importante conhecê-las para utilizar a que for possível no momento da escolha, e, assim, melhorar o impacto ambiental da mobilidade urbana.
*Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu, e foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).
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