Na semana passada, a prefeitura de Teresina anunciou que irá implantar mais 23 km de ciclovias na capital piauiense, assim que o projeto, orçado em cerca de R$ 3,6 milhões, e já concluído, seguir para a Superintendência de Trânsito (Strans) para a abertura de licitação e execução das obras.
Segundo a gestão municipal, nesta primeira etapa estes novos percursos para bicicleta - localizados nas avenidas Maranhão, Henry Wall, João XXIII e Getúlio Vargas - farão a ligação entre as quatro zonas da cidade; e, numa fase seguinte, a implantação prosseguirá em ramificações pelos bairros. A prefeitura informa que Teresina conta hoje com 60 km de vias para ciclistas, e que, somados aos trechos previstos, passará a totalizar 200 km de ciclovias, cumprindo assim as diretrizes definidas pelo Plano Diretor Cicloviário de 2015.
O outro lado: a visão de quem pedala
Para o urbanista Luan Rusvell, que atua em movimentos sociais, colaborou na campanha Calçadas do Brasil do Mobilize e é um ciclista convicto, o projeto anunciado pela prefeitura limita-se às áreas centrais e mais ricas de Teresina, e deixa de contemplar os moradores da periferia.
Rusvell critica ainda a falta de ações do governo em favor da bicicleta durante a pandemia da covid-19, e a demora na regulamentação do Plano Cicloviário aprovado em 2015, e que sequer conta com algum investimento. E vai além: ele questiona inclusive os 60 km de ciclovias que o governo afirma existirem na capital!
Leia a seguir o depoimento do ciclista:
"O anúncio da Prefeitura de Teresina de construção de 23 km de ciclovias é uma decisão unilateral do poder público, que não discutiu o projeto junto com os ciclistas da cidade. No momento, devido à calamidade da pandemia, temos pautas que consideramos mais urgentes para serem tratadas, como por exemplo a instalação de ciclovias temporárias que atendam principalmente às pessoas que trabalham em serviços essenciais, como trabalhadores da construção civil e atendentes de telemarketing, entre outros.
Essa proposta [ciclovias temporárias] foi invisibilizada pela gestão municipal, que não adotou nenhuma medida que garantisse o uso seguro da bicicleta na pandemia e que ofertasse essa possibilidade mais saudável de deslocamento.
Pelo fato de os trechos anunciados atenderem somente às áreas mais centrais e à zona mais rica da cidade, consideramos que o projeto reforça a ideia da bicicleta apenas como prática de lazer, esportiva e de uso ocasional, negando o real perfil de quem pedala em Teresina: homens negros, que utilizam a bicicleta para chegar ao trabalho, ganham até um salário mínimo e vivem nas periferias.
Também discordamos do dado da gestão municipal que afirma que hoje a cidade possui 60 km de infraestrutura cicloviária. Em levantamento de pesquisa realizado por quem pedala em Teresina, consideramos que atualmente a cidade possui apenas, aproximadamente, 15 km de infraestrutura cicloviária em reais condições de uso, estas concentradas na região mais nobre da cidade.
Hoje, o que queremos é que o Plano Diretor Cicloviário de Teresina, construído com participação de cicloativistas em 2014-2015, seja respeitado e regulamentado; o Plano não virou lei e não possui um fundo de investimento específico, como foi prometido. Contraditoriamente, desde o Plano Cicloviário, tivemos os maiores retrocessos na ciclomobilidade, principalmente no ano de 2017, quando perdemos 25% das nossas ciclovias por conta das obras de construção dos corredores de ônibus da cidade.
Infelizmente não temos o que comemorar. No início deste mês, entre tantos outros acidentes envolvendo ciclistas na cidade, perdemos Flávio Soares, ciclista teresinense de 20 anos que foi assassinado por um carro em alta velocidade em uma das principais avenidas da capital. O fato alerta para uma realidade: a avenida em questão tem uma ciclovia, no entanto completamente intrafegável, o que diariamente nos obriga a arriscar nossas vidas ao dividir espaço com os veículos."
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