Um mês após assumir o cargo de prefeito de Pontevedra, uma pequena cidade na região espanhola da Galícia, o médico Miguel Anxo Fernández Lores, de 66 anos, tomou uma medida ousada: baniu os carros do centro histórico da cidade, permitindo a circulação exclusiva de pedestres.
O ano era 1999 e, desde então, as medidas de restrição à circulação de automóveis só se aprofundaram.
As sucessivas eleições de Lores, que está no sexto mandato —não há limite de termos para prefeituras na Galícia— e deve governar pelo menos até 2023, indicam que os resultados conquistaram a população.
"A cidade estava doente. Colocamos as pessoas em primeiro lugar, e não os automóveis", conta o prefeito, em passagem por Lisboa para participar de um debate sobre mobilidade urbana.
Sem mortes no trânsito desde 2009, com redução de 67% nas emissões de carbono e com mais de 70% dos deslocamentos dos habitantes feitos a pé, Pontevedra vem acumulando prêmios internacionais, como a distinção Habitat, conferida pela ONU.
As mudanças provocadas na qualidade de vida da população, segundo o prefeito, passaram a atrair mais pessoas e negócios para Pontevedra. Enquanto várias outras cidades do interior da Espanha viram a quantidade de moradores diminuir, o município ganhou quase 15 mil habitantes nos últimos 20 anos.
“Há pessoas que podem trabalhar de qualquer lugar e escolhem Pontevedra para viver, porque seus filhos têm mais qualidade de vida", afirma Lores, filiado ao Partido Nacionalista Galego, de orientação à esquerda. "Isso tem a ver com a segurança, com a melhora fundamental do espaço público.”
Planejamento
Embora tenha implementado as restrições a carros logo que assumiu o cargo, Lores afirma que a estratégia levou mais de uma década para ser pensada —e segue em constante atualização.
“Decidimos e fizemos um projeto de governo quando estávamos na oposição. Porque, quando se chega ao governo, há que se saber o que fazer", diz. "Tínhamos prometido na campanha eleitoral e já sabíamos o que queríamos, porque estivemos 12 anos na oposição.”
Além de proibir a circulação de carros de passeio no centro da cidade, a prefeitura ampliou a oferta de praças, parques, equipamentos esportivos e áreas de convivência, que devem ser espalhados pela cidade toda —para evitar zonas de atração com preços altos de moradia, gerando gentrificação.
Miguel Anxo Fernández Lores, prefeito de Pontevedra, durante entrevista em Lisboa. Foto: Divulgação
Pontevedra também acabou com vagas de estacionamento nas ruas do centro. Nas imediações da área central, foram construídos estacionamentos subterrâneos, que têm cerca de 1.600 vagas.
Fora do centro, a cidade investiu em uma estratégia para “acalmar o tráfego”, reduzindo a velocidade máxima de circulação para 30 km/h. Para garantir que as medidas fossem implementadas, houve uma série de mudanças, como a instalação de lombadas e a substituição de semáforos por rotatórias.
Sem mortes no trânsito
As mudanças tiveram impacto direto na quantidade de vítimas. Entre 1996 e 2006, 30 pessoas morreram em acidentes de carro. Desde 2009, não há mortes.
A implementação desse modelo, no entanto, não ocorreu sem focos de resistência, ainda que Lores os considere minoritários. O prefeito lembra que houve uma reação política, da oposição, "o que é normal e esperado", e de pessoas que tinham medo de mudanças.
“Há um problema de individualismo, dos direitos que muita gente acha que um carro tem, mas que não existem”, afirma. “Comerciantes tinham medo de perder vendas e, no final, viram que era muito melhor para o comércio local e para a qualidade de vida das pessoas que vivem em Pontevedra."
O prefeito destaca que a circulação de carros não foi totalmente proibida e, em casos específicos, é possível solicitar, sem grande burocracia, autorizações especiais, como para levar carregamentos.
Pontevedra tem 83 mil habitantes, segundo dados oficiais de 2016 —número similar ao de moradores do distrito paulistano da Santa Cecília, com quase 84 mil—, e 117 km² de área, comparável ao tamanho da parte urbana de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
O prefeito argumenta, no entanto, que a política implementada no município da Galícia também pode ser aplicada a cidades grandes e metrópoles, que contam com uma vantagem em relação a locais pequenos: rede de transportes públicos que pode ser integrada aos deslocamentos a pé.
"Precisaria haver uma divisão por distrito, por número de habitantes, ou por bairros, dependendo de como é a divisão administrativa de cada cidade", afirma.
"Mas as chaves são sempre as mesmas: recuperar o espaço das pessoas, acalmar o tráfego e entender que a cidade não é um armazém de carros, que tem de ser um espaço de alta qualidade agradável."
Leia também:
Uma cidade (quase) sem carros, Na Espanha
Em 2020, Bogotá terá dois "Dias sem Carro"
Área central de Lisboa será fechada aos carros a partir de junho
Reeleita, Anne Hidalgo confirma cerco a carros em Paris
Agora é Londres... contra a covid-19, mais ciclovias e calçadas amplas
Covid-19: Mapas mostram cidades abertas a pedestres e ciclistas