Como as cidades latino-americanas sairão da pandemia

Desiguais e caóticas, grandes cidades latino-americanas preparam ações para a mobilidade urbana no pós-pandemia

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Fonte: Agência AFP  |  Autor: Agência AFP  |  Postado em: 20 de maio de 2020

Bogotá e a Covid-19: cidade fez mais 80 km de cicl

Bogotá e a Covid-19: cidade fez mais 80 km de ciclovias

créditos: AFP/Raúl Arboleda

Cidades latino-americanas começam a criar ciclovias, alargar calçadas e colocar placas de distância para superar o surgimento do coronavírus em espaços urbanos já afetados pela superlotação, transporte lotado e poluição.


A pandemia que assola as cidades do mundo - concentrada em 95% das infecções, segundo as Nações Unidas - acentuou as dualidades na América Latina: "Muitas soluções projetadas para a cidade formal não funcionam para a cidade informal", diz Verónica Adler, Coordenador de cidades emergentes e sustentáveis do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) para o Cone Sul.

Nos bairros de Bogotá, Buenos Aires, Lima e Santiago, o conceito de "cidade de 15 minutos", com suprimentos e trabalho a curtas distâncias, ganha força diante da crise da saúde. Mas nas áreas mais pobres e densas, onde a população vive para ganhar o dia, as pessoas pensam apenas em subsistência.

 

Com o coronavírus, diz Adler, as cidades foram expostas a um fenômeno que destaca a ação dos governos locais, forçando-os a "testar e recalcular" tudo, a todo o tempo.


Buenos Aires, por exemplo, está planejando "medidas de reconfiguração temporárias, econômicas, de instalação rápida e replicável nos espaços públicos", de maneira a favorecer o distanciamento social e promover novas centralidades de bairros, que evitam deslocamentos, explica Clara Muzzio, ministra do Espaço Público e Higiene de Buenos Aires. As propostas coincidem com um plano de longo prazo para o desenvolvimento distrital e a mobilidade sustentável, acrescenta ele.


A ampliação de calçadas, o estímulo à caminhada com a criação de novas áreas exclusivas para pedestres, e a adoção de velocidades mais baixas para o trânsito são algumas das medidas que Muzzio espera que possam ser mantidas após a crise de saúde. Mas ele descarta grandes e custosas transformações, no momento em que as prioridades econômicas e de saúde monopolizam recursos.


Ônibus circula com mensagem educativa Foto: AFP/Raúl Arboleda

 

Em Bogotá, cidade que se tornou uma referência regional para mobilidade sustentável, a emergência acrescentou 80 km aos 550 km de ciclovias disponíveis. O objetivo é manter a ocupação de transporte público abaixo de 35%. A ideia já se tornou permanente, juntamente com a reserva de 20% do espaço público para o estacionamento de bicicletas, disse o secretário de Mobilidade, Nicolás Estupiñán. "Os diferentes setores da economia, particularmente o informal, não podem durar muito tempo em confinamento, e é necessário que essas pessoas saiam com segurança", completou o secretário.

 

A proposta é uma "nova mobilidade", definida como "um equilíbrio entre economia e saúde", em um ambiente para o qual o teletrabalho terá grande contribuição. Isso também inclui um escalonamento de atividades produtivas, de forma a reduzir o tráfego. "Quando a situação de emergência terminar, queremos manter algumas iniciativas e evitar a pressão nos sistemas de transporte de massa nos horários de pico", diz Estupiñán.

 

Peru e México
Em Lima, no Peru, o transporte coletivo é feito por vans e carros coletivos informais, que agora são fontes potenciais de contágio, alerta Enrique Bonilla, diretor da carreira de arquitetura da Universidade de Lima. Para combater esse problema, ele sugere integração de 250 km existentes de ciclovias a novas ciclofaixas, além de criar subsídios para financiar a construção dessas infraestruturas. "A cidade já estava doente antes da pandemia e esta deve ser uma oportunidade para procurar soluções", disse Bonilla, referindo-se à monocentralidade de Lima e, mais literalmente, à tuberculose. Depois do Brasil, o país tem a maioria dos casos desta doença associados à pobreza nas Américas, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas). E na Cidade do México, mesmo em meio a uma pandemia, organizações como o Greenpeace estão exigindo medidas contra a poluição na capital mexicana, conhecida por seu caos veicular. Entre vários argumentos, eles destacam que a exposição prolongada à poluição aumenta a letalidade do coronavírus, de acordo com pesquisadores de Harvard.

 

 
     Sinalização de solo em calçada de Buenos Aires Foto: AFP/Juan Mabromata

 

Favela, a outra cidade
Com o vírus à espreita, a densidade das cidades se torna dramática nas favelas. Essas populações incluem os novos migrantes, outro dos recentes desafios regionais. Javier Vergara, diretor da fundação chilena Ciudad Emergente, destaca que "devido à brutal desigualdade na distribuição de renda e às grandes áreas com moradias precárias, sem equipamento básico, o impacto não é o mesmo para todos e isso exige uma abordagem diferente".


E, nesse aspecto, as favelas brasileiras são modelos infelizes, com suas habitações apertadas. "Há uma população que vive menos, viaja mais em transporte público, trabalha mais horas, come mal e, portanto, é mais vulnerável. Este é o produto de cidades com um modelo historicamente perverso", descreve Patrick Carvalho, secretário de Políticas Públicas da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas Brasileiros.


"Até 2050, 70% da população do mundo viverá nas cidades. E se elas não forem saudáveis para todos, não serão para ninguém", diz Carvalho, representante de uma das 79 organizações que divulgou um documento que pede medidas urgentes nas áreas mais atrasadas, ante a posição negacionista do governo brasileiro. O amplo acesso a higiene e saneamento está entre as demandas.


Assim como uma epidemia no século XIX originou o sistema de saneamento em Londres, a América Latina aspira à transformação. 
Horacio Terraza, especialista em desenvolvimento urbano e cidades do Banco Mundial, diz que "a pandemia deve gerar a revolução da urbanização de bairros vulneráveis da América Latina como uma agenda para os próximos 20 anos".

 

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