Em defesa do rodízio em SP

Controlar a circulação de carros é uma forma de reduzir a contaminação pela Covid-19. No entanto, é preciso abrir espaço para outras mobilidades. Agora e no pós-pandemia

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/Mobilize Brasil*  |  Postado em: 12 de maio de 2020

Avenida Paulista, hoje (12) em imagem do site G1

Avenida Paulista, hoje (12), segundo dia do rodízio

créditos: G1


Nesta semana a cidade de São Paulo está iniciando um rodízio mais rigoroso de veículos, com o revezamento entre veículos particulares, conforme a numeração final de suas placas. Carros com placas de final ímpar circulam nos dias ímpares do mês. E vice-versa. São isentas as motocicletas e os veículos de pessoas e empresas que atuam em serviços essenciais.


E já na segunda-feira (11), primeiro dia da iniciativa, o noticiário local destacava os problemas gerados pela restrição ao uso do carro: pessoas impedidas de ir ao trabalho, motoristas de aplicativos sem poder trabalhar, e o transporte público - metrô e ônibus - perigosamente mais cheios. Editoriais da grande imprensa, artigos de especialistas, comentários em rádio, tevê e redes sociais, e até protestos de centrais sindicais condenam a decisão da prefeitura.

Terminal de conexão metrô-ônibus hoje (12) em São Paulo Foto: Eduardo Knapp-FolhaPress

 

Mais e mais carros
A medida foi adotada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) depois que o nível de adesão dos paulistanos ao isolamento havia baixado a 40%, bem menos do que os 70% preconizados inicialmente pelas autoridades da Saúde. Cabe lembrar que quando a pandemia chegou “oficialmente” à cidade, uma das primeiras decisões do prefeito foi justamente a de suspender o rodízio de veículos, como forma de contornar a superlotação (e os contágios) no transporte público. Mas, gradativamente, as pessoas passaram a usar mais e mais seus carros para ir ao trabalho, ao mercado, à farmácia, e até para pequenos passeios.


São Paulo tem mais de 9 milhões de veículos registrados, dos quais 6,3 milhões são automóveis e 1,3 milhão correspondem a motocicletas e motonetas. Essa frota, como se sabe, não cabe no sistema viário existente, que tem 17 mil km lineares, conforme dados de 2010: em fila indiana, apenas os carros ocupariam 31 mil km de vias.


Mesmo em tempos "normais", quando a cidade tem suas principais avenidas bastante congestionadas, há apenas uma fração dessa frota nas ruas. Mas, o ruído se torna insuportável, a atmosfera fica carregada de gases tóxicos e material particulado e os acidentes, muitos deles evitáveis, se sucedem às dezenas.


O período de isolamento social trouxe dificuldades a todos, revelou sérias desigualdades sociais, mas também ofereceu a oportunidade de experimentar uma São Paulo mais calma, com ar mais puro, e até com a presença mais ostensiva de pássaros e outros animais silvestres. Continua sendo uma cidade dura, triste, difícil, mas ganhou alguma leveza, pelo menos no trânsito. O novo rodízio tem o mérito de desestimular o impulso de pegar o carro e sair para uma escapadinha. E aponta o caminho para uma cultura de "economia de deslocamentos", que talvez tenha vindo para ficar.



Gráfico com percentual de lentidão extraído do site da CET/SP
Fonte: Reprodução


Direito de ir e vir
Os detratores do rodízio emergencial apontam que se a ação conseguiu tirar carros das ruas,  por outro lado levou mais passageiros aos ônibus e trens do metrô, impedindo o distanciamento mínimo exigido. Até a semana anterior, os trens do metrô recebiam apenas cerca de 30% dos passageiros habituais, o que permitia a operação com cerca de 60% a 70% da frota, segundo revelou o secretário paulista de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy,  em uma transmissão organizada pelo Via Trolebus. E a decisão da prefeitura pelo rodízio foi uma surpresa que impactou fortemente o sistema de transporte sobre trilhos, como admitiu Baldy, numa evidente falta de coordenação entre gestores públicos. No mesmo debate o ex-secretário Sergio Avelleda lembrou apropriadamente a necessidade de estimular o uso da bicicleta e da caminhada como modos complementares e, agora, alternativos ao transporte de massa.


Outras cidades do mundo - centenas delas, entre Milão, Nova York, Berlim, Melbourne, Bogotá e Quito, estas duas aqui na América do Sul, adotaram restrições muito severas ao uso dos carros particulares durante esta crise de saúde. O objetivo é liberar faixas especiais para que ciclistas e pedestres possam circular pelas ruas com mais espaço. Garante-se, assim, o direito de ir e vir, mas com a distância segura para evitar a contaminação pelo vírus. 


Com essa medida simples, o poder público oferece uma alternativa de deslocamento (e de exercício físico) aos cidadãos. Bogotá, por exemplo, já tinha 570 km de ciclovias, mas criou outros 117 km de ciclofaixas provisórias. No Equador, um dos países do mundo mais afetados pela pandemia, os carros particulares somente podem sair às ruas uma vez por semana e nunca nos finais de semana. Pedestres, ciclistas, táxis e o transporte público podem circular, porém sob criterioso controle policial e sanitário.


O carro, de novo objeto de desejo
Há dez anos já se verificava um certo desinteresse dos consumidores mais jovens pela compra de automóveis. Essa tendência preocupava a indústria automotiva, que buscava alternativas. No entanto, na China, agora saindo da quarentena, as pessoas ainda procuram manter-se afastadas do transporte público, segundo informações divulgadas pela imprensa. E, de acordo com uma pesquisa local, há hoje uma tendência à compra de mais veículos particulares. A mesma avaliação tem o presidente da Fiat Chrysler na América Latina, Antonio Filosa. Em entrevista à rádio CBN nesta semana, o executivo da FCA disse que as pesquisas da empresa apontam para uma provável migração de passageiros do transporte público para o carro particular, com um aumento da demanda por mais automóveis, algo desejável para fabricantes de veículos, mas não para a coletividade.


Controlar e reduzir a circulação de veículos é uma tendência já adotada por metrópoles em todos os continentes. Fazê-lo em São Paulo - por sua extensão - é realmente um desafio muito maior do que na maioria das cidades do mundo. No entanto, um planejamento adequado, regionalizado, que considere novas formas de usar os espaços viários, com integração entre o governo do Estado e prefeituras de toda a Região Metropolitana, pode permitir uma nova experiência urbana durante a crise pandêmica. E talvez, gerar lições para repensar toda a mobilidade urbana de um modo mais sustentável e humano. De qualquer forma, por enquanto, se puder fique em casa :-)

*Marcos de Sousa é jornalista e editor do Mobilize Brasil


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