Há uma distância segura para pedalar, caminhar e evitar o coronavírus?

Estudo aerodinâmico realizado por um grupo de pesquisa belga-holandês aponta algumas sugestões. Mas há controvérsias, segundo reportagem da revista Wired

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Fonte: Wired/Tradução Mobilize Brasil*  |  Autor: Eric Miller/Wired  |  Postado em: 14 de abril de 2020

Andar de bicicleta requer distância de 20 metros

Andar de bicicleta requer distância de 20 metros

créditos: bikehub.ca

Uma equipe de pesquisadores belgas e holandeses publicou um relatório aconselhando corredores e ciclistas a tomarem cuidado extra quando passarem por outras pessoas, alertando-os de que gotículas respiratórias podem transportar o coronavírus para distâncias bem acima dos dois metros preconizados pelas autoridades de saúde.


O trabalho aqueceu rapidamente um debate on-line sobre suas conclusões, especialmente porque os dados ainda não haviam sido publicados em nenhuma revista científica reconhecida.  Mas, neste caso, o artigo ganhou força depois que um dos pesquisadores, Bert Blocken, professor de engenharia civil na Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda, e também na KU Leuven, na Bélgica, concedeu uma entrevista a um jornal belga e também antecipou alguns resultados em uma publicação no twitter.


Na quinta-feira (9) à noite o grupo de pesquisadores publicou todo o estudo de 12 páginas em um site da universidade Eindhoven, o que gerou uma nova publicação no site Medium. O post ganhou atenção da mídia social e mais meios de comunicação começaram a divulgar a história, mesmo com as ressalvas sobre a falta de dados da pesquisa original.


Bert Blocken disse que decidiu transmitir suas descobertas nas mídias sociais e em entrevistas porque achava que eram informações importantes sobre saúde pública. Um dos outros pesquisadores do estudo, um estudante de pós-graduação em Eindhoven, perdeu o avô para o Covid-19 enquanto conduziam os experimentos, disse Blocken. Em seu primeiro relatório auto-publicado, a equipe chamou o trabalho de "uma contribuição modesta dos engenheiros e pesquisadores aerodinâmicos para ajudar um pouco na luta mundial contra o Covid-19".


Até agora, a história e o gráfico que o acompanha se espalharam ampla e rapidamente (como um vírus), tanto nas publicações que anunciam os resultados de Blocken quanto nas que os criticam. O jornal Daily Mail, por exemplo, publicou a manchete "Simulação horrível revela os perigos de correr durante a pandemia de coronavírus". Mas outros, como o Vice News, publicaram artigos muito mais críticos, convidando especialistas a avaliar se o exercício ao ar livre pode espalhar a doença.


Blocken reconhece "que as coisas ficaram um pouco fora de controle e que não esperava a eclosão da cobertura da mídia. A intenção era incentivar as pessoas a estarem mais conscientes de que deveriam ser um pouco mais seguras em termos de distância", acrescentou. "Não estou dizendo que você não deve sair, correr e pedalar. Estou tentando transmitir a mensagem oposta, que é a de manter uma distância maior do que 2 metros", disse ele.


Mas, o que o estudo realmente revelou?
A pesquisa de Blocken se concentra no fluxo de ar em torno de ciclistas profissionais, um esporte que atrai uma enorme base de fãs e patrocínio comercial na Europa. Nessa linha de trabalho, ele já havia publicado estudos sobre dispersão de poluentes urbanos em ambientes centrais, bem como do fluxo termodinâmico em torno de turbinas eólicas.


Para o estudo recente, Blocken e sua equipe conseguiram utilizar o túnel de vento da Universidade de Eindhoven para medir o fluxo de ar em torno de corredores e ciclistas em três velocidades: um ritmo normal de caminhada, uma corrida rápida e uma velocidade moderada de ciclismo. Eles também levaram em consideração os efeitos da evaporação de gotículas respiratórias, embora não calculassem o que aconteceria com ventos laterais, ventos contrários ou ventos vindo de trás.


Em seguida, combinaram os dados resultantes do experimento com estudos existentes sobre como as gotículas respiratórias se espalham durante um exercício. É importante observar que o estudo não tenta estimar o risco de infecção por exposições durante o exercício; apenas descreve a aerodinâmica das partículas respiratórias.


A equipe concluiu que ciclistas e corredores precisam ficar a uma distância maior que 2 metros de outras pessoas para evitar a inalação de gotículas ou a queda dessas gotículas em seus corpos. Daí, calcularam as distâncias seguras para cada esporte:

  • 20 metros de distância ao andar de bicicleta a 29 km/h
  • 10 metros de distância ao correr
  • 5 metros, ao andar em um ritmo normal.


Quanto a correr lado a lado, "Não há problema, a menos que você vire a cabeça e espirre (ou tussa) na direção da outra pessoa", acrescentou Blocken.


Os testes no túnel de vento concluíram que a zona de perigo potencial fica em um estreito "rio" atrás de corredores e ciclistas, em vez de formar um amplo cone em forma de V. Em teoria, diz Blocken, isso significa que corredores ou ciclistas podem limitar sua exposição ainda mais simplesmente alternando suas posições para evitar a corrente de fuga.



Ilustração gráfica do trabalho original/Reprodução


No momento, sabemos que o coronavírus é transmitido de pessoa para pessoa quando alguém tosse ou espirra, ou quando o vírus cai em uma superfície e é tocado por uma pessoa, que depois toca seu rosto, boca ou olhos. O tempo que os vírus podem sobreviver fora de um organismo vivo também depende da superfície, de acordo com os institutos de saúde.


Também não está claro qual a  densidade de partículas virais necessárias para infectar alguém. Os cientistas sabem que a carga viral, desempenha um grande papel; espaços internos lotados carregam uma carga viral maior do que espaços abertos ao ar livre. Os virologistas também observam que o tempo de exposição é importante - um breve olá para um vizinho na calçada representa menos risco do que sentar ao lado de seu amigo em um café ao ar livre para tomar algumas cervejas. Mas até agora não há estudos publicados sobre a disseminação do novo coronavírus de uma pessoa para outra em ambientes externos.


A engenheira Linsey Marr, especialista em transmissão aérea de doenças virais diz que a questão de saber se as pessoas podem ou não ser infectadas por ciclistas ou corredores ainda é duvidosa. Mas, de qualquer forma, ela concorda com a sugestão de Blocken para os caminhantes e corredores, de guardar um espaçamento maior, na frente ou atrás de outra pessoa.


Vários outros pesquisadores consultados pela revista Wired evitaram comentar os resultados da pesquisa dirigida por Bert Blocken. Mas, os especialistas concordam que o exercício ainda é uma boa idéia, e que faz sentido distanciar-se o máximo possível de outras pessoas.


A pesquisadora Anne Hyman, presidente de um clube de ciclistas da região de Washington, está preocupada com os riscos potenciais de espalhar o Covid-19 enquanto está pedalando nas ruas. Em vez disso, ela monta sua bicicleta ergométrica com amigos usando o software de competição virtual Zwift, que permite aos usuários competir entre si. Hyman não sai às ruas perto de sua casa, nos subúrbios de Maryland, desde que o estado foi interditado em 30 de março.


Mas todos os especialistas confirmam que 30 a 60 minutos de exercício diário - mesmo dentro de casa - ajudam a fortalecer o sistema imunológico. E ponto final.


Leia o trabalho original
(em inglês)


 *Tradução e adaptação: Marcos de Sousa


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