No início de março fui verificar as condições das passagens subterrâneas na Asa Norte e constatei: continuam em total abandono. Pisos e revestimentos destruídos, escuridão e muita sujeira. Em dias de chuva, a situação piora, pois o piso fica escorregadio e a lama se acumula. A passagem próxima ao HRAN (Hospital Regional da Asa Norte) estava com um trecho submerso e obrigava as pessoas a atravessarem por cima.
Sujeira, lama e falta de manutenção: realidade em todas as passagens subterrâneas do Eixão
A cena é comum: muitas pessoas desembarcam dos ônibus, atravessam o Eixinho por cima e só usam a passagem no trecho sob o Eixão para evitar o maior movimento de carros e a alta velocidade (limite de 80 km/h). O medo ao atravessar por baixo é unânime. Ao conversar com as pessoas, destacam-se os problemas: risco de assalto, sujeira, escuridão e presença de usuários de droga. Especialmente as mulheres se sentem vulneráveis.
Trajeto evidenciado no canteiro: pedestres evitam as extremidades das passagens
Realizamos a campanha "Pedestre pede Passagem" no final de 2019 (relato sobre os resultados da campanha), período em que verificamos todas as passagens da Asa Sul e da Asa Norte, conversamos com pedestres e ciclistas que atravessam o Eixão, panfletamos e conseguimos boa adesão no pedido de revitalização das passagens subterrâneas. Foram mais de 800 e-mails enviados ao Governo do Distrito Federal. Também tivemos reunião com a Administradora do Plano Piloto e levamos os resultados e propostas para melhorar a acessibilidade e incentivar a mobilidade ativa.
Infelizmente, quatro meses após a campanha, o descaso com os pedestres continua. O Governo do Distrito Federal (GDF) está reformando as tesourinhas (passagens para carros). Na Asa Norte estão em obras as tesourinhas da 108/208N e da 115/215N. O projeto do governo prevê reforço estrutural e melhoria estética nas 96 passagens para carros ao longo do Eixão. Nas 16 passagens subterrâneas para pedestres e ciclistas não há qualquer projeto amplo de revitalização.
Neste mês de março, o serviço de recapeamento foi concluído e o Eixão Norte foi interditado por alguns dias para a sinalização. Ou seja, para os motoristas, pistas em perfeito estado, recapeadas e sinalizadas.
Obras voltadas ao transporte automotivo: recapeamento e reforma das tesourinhas
Eixão para Pessoas
Sonhamos com um Eixão humanizado, mais voltado para as pessoas e não apenas para o automóvel. O Eixão do Lazer, aos domingos e feriados, simboliza bem a proposta: os carros cedem espaço para as pessoas caminharem e pedalarem. Uma multidão se desloca e se diverte, enquanto o fluxo de carros fica restrito aos Eixinhos laterais.
Infelizmente, a via expressa que corta Brasília de norte a sul é um muro para quem se desloca sem carro. Para uma pessoa com deficiência, o Eixão é uma barreira intransponível. Menor velocidade, calçadas e ciclovias, locais seguros de travessia e espaço exclusivo para o transporte coletivo fazem parte do pacote de humanização. Por que não destinar uma pista para ônibus elétrico ou bonde nos moldes do VLT? Por que não instalar semáforos e viabilizar a travessia segura por cima, nos pontos de maior movimento de pedestres?
Não é por falta de projetos que o Eixão continua como está. O estudo sobre segurança dos pedestres, realizado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) em 2007, propôs a “requalificação das passagens existentes” e apresentou proposta de ciclovia ao longo de todo o Eixão.
Proposta de ciclovia no Eixão. DER-DF, 2007
Em 2012 um concurso nacional de arquitetura selecionou projetos de revitalização das passagens. A proposta vencedora, que não foi executada, previa passagens revitalizadas com comércio e pontos de convivência, além de 13,5 km de ciclovia. Outro projeto, que recebeu menção honrosa, propôs travessia em nível, com faixa de pedestre e semáforo no Eixão.
Projeto vencedor do concurso nacional (2012): passagens revitalizadas e ciclovia
Bons projetos não faltam. Falta vontade política de mudar a lógica rodoviarista que prioriza carros em detrimento das pessoas. Os seguidos governos destinam grandes recursos em ampliações de vias, recapeamentos e construção de túneis e viadutos. Os investimentos no transporte coletivo e os incentivos para caminhar e pedalar ainda são ínfimos diante dos recursos para o transporte automotivo.
Neste período de isolamento social em razão do coronavírus, o movimento de carros diminuiu bastante no Eixão. Os benefícios para pedestres e ciclistas são nítidos: consegue-se atravessar por cima e pedalar com relativa segurança. O vídeo gravado em 26/3 mostra o fluxo reduzido de carros e a tranquilidade para passar a pé ou de bicicleta.
Aliás, algumas cidades já tomaram iniciativas para incentivar a mobilidade ativa nesse período de pandemia. Bogotá ampliou as ciclofaixas para incentivar o uso de bicicleta e desafogar o sistema de ônibus. Nova York decretou que as bicicletarias são serviços essenciais e podem funcionar nesse período.
Diversas cidades do mundo reduzem a dependência do carro e incentivam a mobilidade ativa (não motorizada) integrada ao transporte coletivo. Fica a pergunta: de que forma o GDF pode incentivar que as pessoas caminhem e pedalem mais, durante e após a pandemia, como estratégia de mobilidade e qualidade de vida?
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