Em meados do século 19, as bicicletas chegaram aos EUA e, claro, viraram febre nacional. Homens e mulheres começaram a pedalar de um lado ao outro naquilo que, na época, ganhou apelidos como “cavalinho de aço”. Mais que um novo meio de transporte, a bicicleta aparecia como uma oportunidade para ir além, não só em distâncias, como também em ideias.
Com exceção das operárias, uma mulher naqueles tempos passava boa parte da vida dentro da sua casa. As tarefas domésticas dominavam o tempo e, mesmo em momentos de lazer, ou elas visitavam alguma outra casa ou recebiam visitas em seu lares. As mulheres não votavam e havia a crença de que elas tinham menor capacidade intelectual que os homens. Como exemplo, as primeiras leis sobre educação no Brasil Imperial definiam que os meninos deveriam estudar geometria, enquanto as meninas ficariam com atividades do lar, como costura, bordado ou cozinha. Essas ideias de desigualdade, como se sabe, foram criadas no momento da ascenção da burguesia e da gênese do capitalismo, especialmente após a industrialização. Mas no final do século, algumas mudanças estavam começando, e vinham rápido, sobre duas rodas.
Revolução em duas rodas
Por volta de 1890, a Europa já tinha um modelo de bicicleta muito parecido ao que usamos hoje. Era a chamada "bicicleta de segurança". Tinha duas rodas iguais, catraca, freios e paralamas. Além de tudo, era muito mais leve do que os antigos velocípedes. Montadas nessas bicicletas, as mulheres acharam uma maneira rápida e fácil de explorar a cidade. Era a chance de ver e ser vista.
Protesto de estudantes homens contra o ingresso de mulheres na Universidade de Cambridge, na Inglaterra: uma boneca montada em uma bicleta ironizava a figura da "nova mulher" Foto: Hulton Archive, cerca de 1897/Getty Images
A norte-americana Susan Brownell Anthony, uma das feministas mais importantes da história das reformas sociais, viveu entre 1820 e 1906 e percebeu a importância da bike para espalhar e defender seus ideais. “Vou dizer o que eu penso sobre as bicicletas. Eu acho que elas fizeram mais pela emancipação das mulheres do que qualquer outra coisa do mundo”. A citação faz parte do livro Wheels of Change: How Women Rode the Bicycle to Freedom (Rodas da Mudança: Como As Mulheres Subiram nas Bicicletas pela Liberdade, em tradução aproximada) escrito por Sue Macy e publicado em 2011. Vale lembrar que naquele tempo ainda não havia a pílula anticoncepcional...
Outra figura histórica que fez bom proveito das magrelas, não só para as revoluções das rodas, como também da sociedade, foi Alice Hawkins. No início do século XX a Inglaterra ainda não permitia o voto feminino, mas a luta pelo sufrágio era intensa. Para levar seus ideais mais longe, Alice pedalou por toda a região de Leicester. A bicicleta deixou de ser uma ferramenta para ser um símbolo de resistência e transformação. Inclusive na moda, porque era muito difícil pedalar usando tantas saias e saiotes...
A moda feminina transformada radicalmente com a chegada da "bicicleta de segurança", em 1884. Foto: London Stereoscopic Company/Getty Images
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