Imagine o seguinte cenário futuro: em plena região central de Belo Horizonte, o Ribeirão Arrudas de volta à Praça da Estação, e o Córrego do Leitão correndo a céu aberto na Praça Marília de Dirceu...
Esta é a proposta que ambientalistas de 21 entidades apresentaram nesta segunda-feira (17), na Câmara Municipal de BH: um plano com 10 propostas para lidar com as enchentes na capital.
As propostas preveem, entre outras ações a serem encampadas pelo poder público, desde já, a descanalização total dos 200 km dos cursos d'água que estão sob concreto. E a transformação dos espaços hoje concretados em parques onde se possa caminhar, pedalar e se resguardar do trânsito de veículos.
A ideia é transformar as atuais políticas urbanas, como mostram as imagens dos seguintes locais:
Praça Marília de Dirceu
Imagens: After Kubus 4D/ Divulgação
As entidades entendem que o problema das enchentes é causado por múltiplos fatores, e portanto, para solucioná-lo, é necessário implementar um plano sistêmico com mudança na drenagem urbana e criação de parques ciliares.
Além disso, propõem a mudança no paradigma viário, com incentivo ao transporte coletivo, incentivo à mobilidade ativa e desestímulo aos automóveis. E ainda: segurança nas encostas e política de moradia. Tudo isso a partir de uma gestão participativa.
Arrudas de volta à Praça da Estação
Imagens: After Kubus 4D/ Divulgação
A arquiteta e urbanista Elisa Marques, que é conselheira da Bacia Hidrográfica do Ribeirão do Onça, defende que as propostas podem ser implementadas de imediato. "Passar a pensar de forma sistêmica é pra já, de imediato. Por mais que tenham muitos desafios pela frente, é necessário apontar para um caminho favorável. Deixar de fazer coisas que são retrocessos", afirma.
Segundo a especialista, de imediato deve-se interromper a canalização de cursos d'água. "Está instituído por lei*, mas temos que fazer valer", diz. Ela defende que a não canalização tem que prever o curso d'água em leito natural: "Rio aberto, mas com caixa de concreto em suas laterais, não é um leito natural", observa.
A ambientalista Jeanine Oliveira, do Projeto Manuelzão, destacou que todos os cursos d'água na região central estão canalizados, embora sejam 200 km do total de 700 km dos cursos d'água na capital. Ela lembra que não há como "lutar contra a geologia": "Teria que ser 100% descanalizado. Por quê? Estamos em uma cidade muito alta. Isso quer dizer que a gente está na cabeça. Tem muita água. E não estamos próximos ao litoral. Temos que pensar uma cidade que dê conta disso", afirmou.
As propostas ainda não foram orçadas, mas as entidades pretendem apresentá-la logo mais à Prefeitura de Belo Horizonte.
Vilarinho
Imagens: After Kubus 4D/ Divulgação
Veja o que diz cada uma das 10 propostas apresentadas pelos ambientalistas:
1 - Drenagem urbana
- Sistema de drenagem distribuído no território, a partir de estudos de absorção existentes
- Preservação do terço superior dos morros para recuperação hídrica dos cursos d'água
- Implementar programa efetivo de fiscalização da aplicação da taxa de permeabilidade nos terrenos
- Programa de valorização de boas práticas de drenagem, com incentivos tributários
- Incremento de recursos financeiros na área, com utilização das multas e outras fontes
2 - Cursos d'água
- Fazer valer decreto recente da Prefeitura de Belo Horizonte que proíbe canalizações e tamponamentos de cursos d'água
- Plano de descanalização e destamponamento dos cursos d'água, meta 20240
- Revisão participativa das obras recentes do Drenurbs, que ferem os princípios do programa
3 - Parques ciliares
- Política de parques ciliares, com córregos em leito natural, área de lazer, ciclovias, visando atingir os 700 km de cursos d'água de BH
- Retomada dos modelos dos parques do Programa Drenurbs (Parque Nossa Senhora da Piedade, Parque 1º de Maio e Parque Baleares), implantados nos anos 2000
- Implantar o Parque Comunitário Ciliar do Ribeirão Onça
- Desenvolver atividades de Agrofloresta às margens dos cursos d'água
4 - Tratamento de esgoto
- Garantir tratamento de 100% do esgosto produzido na cidade até 2030, conforme ODS 6 da ONU
- Apresentar à sociedade plano anual de metas para atendimento ao objetivo, com multas para não cumprimento e controle social
- Utilizar de tecnologias complementares de tratamento local do esgoto
5 - Transporte coletivo
- Cumprir as ações as metas previstas no eixo Transporte Coletivo do Plano de Mobilidade de BH
- Implementar corredores exclusivos em todas as vias arteriais da cidade
- Buscar formas de financiamento da tarifa de ônibus que desestimulem modos de deslocamento poluentes, visando reduzir a tarifa até sua gratuidade total
- Converter vale-transporte em taxa de mobilidade, paga ao município, com gratuidade para o trabalhador
- Reverter o contrato atual, retomar a gestão pública dos recursos do sistema
6 - Mobilidade ativa
- Implentar até 2024 o Plano de Ações de Mobilidade urbana por Bicicleta de BH, que prevê a construção de 300 km de estruturas cicloviárias
- Garantir a ampla acessibilidade das calçadas, seja por fiscalização efetiva, seja por mudança no modo de gestão
- Alargamento de calçadas em toda a cidade
- Garantia de arborização ampla e toda a cidade, promovendo sombra e redução da temperatura local
- Criação de zonas sem automóveis nas regiões comerciais
- Melhoria do desenho dos abrigos de ônibus e outro mobiliários urbanos para que sejam elementos de segurança para as pessoas com deficiência
7 - Desestímulo aos automóveis
- Implementr e ampliar ações previstas no Plano de Mobilidade, visando à redução drástica da utilização do transporte motorizado individual
- Promover a criação de zonas 20 e 30 em toda a cidade, em consonância com eixo de Circulação Calma do Plano de Mobilidade
- Ampliar a área de cobranças do estacionamento rotativo e melhoria da gestão do estacionamento na cidade
- Aplicar taxas progressivas sobre utilização de carros nas áreas centrais
- Paralisção imediata do processo de construção de dois viadutos e uma trincheira na Avenida Cristiano Machado
- Buscar reverter os R$ 380 milhões previstos para essas obras em investimentos prioritários de transporte coletivo e mobilidade ativa
8 - Seguranças em encostas
- Implementar programa amplo de proteção a encostas e áreas de risco
- Garantir o envolvimento dos moradores afetados e evitar remoções que não sejam estritamente necessárias
- Realizar reassentamento imediato para pessoas cujas moradias não apresentem viabilidade de tratamento
- Este processo deve se dar com o acompanhamento de assessorias técnicas independentes, contratadas pelos moradores atingidos com recursos públicos, como os fundos de reparação de danos gerenciados pelo Ministério Público
9 - Moradia Digna
- Implementar uma política de moradia digna, segura e ambientalmente sustentável, que vise zerar o déficit habitacional na cidade até 2030
- Priorizar a ocupação de áreas centrais
- Aplicar imediatamente instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e no novo Plano Diretor, com cobrança de IPTU progressivo e desapropriação de imóveis ociosos para habitação de interesse social nas áreas centrais
- Destinar toda a outorga onerosa sobre o direito de construir para o fundo de habitação de interesse social
10 - Gestão participativa
- Criação de Comitê de Emergência Climática
- Ampla participação popular, para acompanhar e fiscalizar as obras relacionadas a moiblidade e cursos d'água
*No início de fevereiro, sob o impacto das enchentes na cidade, foi sancionado pelo prefeito Alexandre Kalil o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, que proíbe a canalização de córregos na cidade.
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