Falta de segurança, de áreas verdes e de infraestrutura para caminhar ou pedalar são principais obstáculos à adoção de uma mobilidade urbana saudável. É o que apontou um estudo feito por pesquisadores brasileiros e britânicos de universidades federais que buscou identificar a relação entre as atividades físicas e a rotina da população de baixa e média renda nos dois países. No Brasil, também foram detectados problemas como o tráfego intenso de veículos, o uso das calçadas como estacionamento e o temor da criminalidade durante os deslocamentos.
Inspirado no movimento Cidades Saudáveis, da Organização Mundial da Saúde (OMS), o estudo foi realizado em parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Universidade de Brasília (UnB) e Oxford Brookes University, do Reino Unido.
Foram selecionadas três bairros de cidades brasileiras - Brasília, Florianópolis e Porto Alegre - e dois em Oxford, no sul da Inglaterra. Os bairros foram selecionados por suas diferenças demográficas e pelos obstáculos impostos à locomoção; entretanto, todos se assemelhavam quanto a sua localização: estavam situados próximos ao centro da cidade.
Em Porto Alegre, por exemplo, foram pesquisados o Menino Deus, a Vila Tronco e a Vila Cruzeiro; o primeiro é um bairro de classe média, e os outros são considerados segregados cultural e socioeconomicamente.
População da comunidade em Porto Alegre participou ativamente da pesquisa. Foto: Reprodução
Mobilidade saudável
Por mobilidade urbana saudável considerou-se aquela feita com meios não motorizados, como bicicleta ou a pé, inserida em parte das viagens do dia a dia. “Mas se começou a ver, principalmente para idosos e pessoas com deficiência, que só o fato de sair de casa, ter mais mobilidade, seja ela ativa ou motorizada, já melhora a qualidade de vida”, explica o professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS Júlio Vargas, um dos autores do estudo.
Para guiar as etapas do trabalho, o grupo utilizou uma abordagem de métodos mistos − que se resume na junção do método qualitativo com o quantitativo− e contou com a participação ativa da comunidade e de gestores. A pesquisa foi dividida em cinco componentes, considerando o conhecimento dos integrantes das equipes nas áreas de planejamento urbano, estudos de transporte, saúde pública e psicologia ambiental.
No mapeamento espacial e geoprocessamento, foi realizada uma análise da configuração das ruas, da infraestrutura e da disponibilidade de transporte público. Já o questionário foi elaborado para coletar dados dos moradores – qualidade e hábitos de vida, renda mensal, percepção do bairro, atividades físicas – e aplicado em endereços aleatórios.
Ao final foram arrecadadas cerca de 1.100 amostras em cada bairro brasileiro e 272 no britânico. Nas entrevistas, realizadas com um total de 99 participantes, era pedida uma linha do tempo, contemplando as trajetórias – mudanças de residência, educação, trabalho – realizadas ao longo da vida. Para a jornada acompanhada, outras 99 pessoas concordaram em realizar um caminho, a pé ou de bicicleta, enquanto eram gravadas.
A comunidade local também participou por meio de outras atividades, como a produção de vídeos sobre a situação da mobilidade em Oxford e a confecção de um “varal dos desejos” em Brasília. Os resultados colhidos pelas quatro equipes foram posteriormente reunidos no material utilizado para divulgação e produção teórica.
Mobilidade forçada
Nas cidades brasileiras, principalmente Porto Alegre, foi constatado que a precariedade nos serviços de transporte público, aliada ao alto valor das passagens, obriga os moradores de comunidades de baixa renda a praticarem mobilidade forçada. Assim, caminhar se torna a única opção para essas pessoas, já que não possuem carro e não podem pagar a passagem de ônibus. A pesquisa também apontou que a falta de segurança, vegetação e infraestrutura nas ruas é um obstáculo para a adoção da mobilidade urbana saudável.
Apareceram ainda, nos resultados obtidos nas quatro cidades, outros fatores que dificultam a mobilidade: a escassez de ciclovias, a pouca iluminação, a segurança pública e a falta de manutenção das calçadas. Além de problemas já citados como os carros em alta velocidade e o uso das calçadas como estacionamento, que impossibilitam a circulação dos moradores.
Pessoas caminhando e pedalando em Barton, Oxford. Foto: Reprodução
Segundo o professor, antes de melhorar a qualidade das calçadas das ruas, é preciso assumi-las como parte da cidade através da regularização e da formalização da situação dos moradores e do bairro. Ele ressalta as diferenças físicas entre os bairros bem cuidados de classe média e os de baixa renda, normalmente localizados em encostas íngremes, sem serviços regulares de água, luz e saneamento básico. Essas dificuldades acabam prejudicando mais do que a falta de vegetação e de calçadas em boa qualidade.
Mobilidade e saúde
A adoção frequente da mobilidade saudável também pode ajudar na prevenção de doenças cardiovasculares, porém, se praticadas em conjunto com mudanças nos hábitos alimentares e redução do uso de álcool e tabaco. Este foi um dos principais achados da pesquisa: o elevado consumo de álcool. Florianópolis teve o maior número de consumidores, 71%, e Oxford, o mais baixo, 39,8%.
O estudo, que durou três anos, foi financiado pelo Fundo Newton - iniciativa do governo britânico para promover pesquisa, ciência e tecnologia com países parceiros - e pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).
Para conferir o resumo dos resultados desta pesquisa, clique aqui.
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