Foto: Arquivo pessoal
Leia a entrevista com Gabriel Oliveira, engenheiro de transportes que atua na rede mundial C40 Cities, onde coordena o projeto Zebra*, com foco no transporte público. Nesta rápida conversa, concedida ao Mobilize por telefone, ele explicou detalhes do acordo articulado em São Paulo para a conversão da frota de ônibus, do sistema diesel para elétrico, no menor prazo possível.
A reunião com a prefeitura paulistana, que aconteceu no último dia 1º de outubro, parece ter selado um novo acordo para a transição da frota de ônibus da capital para motores com baixas emissões. Como foi esse encontro?
Foi uma mesa-redonda que reuniu autoridades, empresários do transporte, fabricantes de ônibus e alguns agentes financeiros, na perspectiva de acelerar a transição da frota de coletivos da cidade, do diesel para soluções elétricas, sustentáveis. Entendemos que a urgência em relação às mudanças climáticas fica cada vez mais evidente e, nas grandes cidades latino-americanas, o transporte é o principal vilão, já que é uma das principais fontes de poluição local.
Na sua avaliação, essa transformação da frota a partir de agora poderá ocorrer de fato?
As tecnologias para tanto já estão disponíveis há algum tempo. Os ônibus elétricos e de células de hidrogênio são soluções bem conhecidas para eliminar as emissões, ou ao menos retirar a poluição atmosférica das áreas mais densas das grandes cidades. O motor elétrico é muito mais eficiente do que um motor diesel e os benefícios daí decorrentes já são de conhecimento geral. O que estava em questão até o momento era como viabilizar a entrada dessas tecnologias nas cidades.
Há alguma nova estratégia para atacar essa aparente paralisia do setor, que ainda depende muito do ônibus a diesel?
Veja, a tecnologia dos ônibus de matriz elétrica chegou a um ponto em que ela pode ser mais econômica do que um ônibus a diesel. E com os novos contratos de concessão, temos novamente a oportunidade de renovação dos 14 mil ônibus de São Paulo nos próximos 15 anos. No encontro que tivemos, os operadores das linhas estavam presentes e ficou claro para eles que existem novas modelagens de negócio que podem permitir essa transformação da frota.
Pode explicar com mais detalhes?
Em primeiro lugar, temos agentes financeiros com disposição de abrir novas linhas de financiamento mais favoráveis aos ônibus elétricos, o que permitiria a compra desses veículos com mais facilidades e prazo. Um segundo modelo busca reduzir o custo das baterias, que hoje significam quase a metade do valor de um ônibus elétrico novo. Neste caso, o operador compra o ônibus, mas o custo das baterias é financiado por uma outra instituição. E já há investidores interessados, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o BNDES, além de empresas de energia e fundos de investimento. Um terceiro modelo seria o de aluguel dos ônibus para os operadores, como foi feito em Santiago, no Chile, por meio de leasing. O nosso desafio, no momento, é conseguir estruturar esses modelos.
Há empresas no Brasil com larga experiência em ônibus elétricos, especialmente trolebus, e algumas delas estão criando novos modelos híbridos, com baterias. Elas terão lugar na proposta de transição da frota?
Sem dúvida. Vai ser necessário estudar quais serão as rotas que poderão operar com esse tipo de ônibus, mas a evolução pode passar por um trolebus. Eu cito o caso da Cidade do México, que recentemente passou a operar 63 ônibus novos, que são trolebus, mas que, graças às baterias, têm maior autonomia e podem sair da rede aérea por alguns quilômetros e voltar.
Nesse processo, haveria também lugar para motores diesel mais sofisticados, como o Euro 6, motores a gás, ou híbridos de diesel e elétricos?
O projeto Zebra foi construído pela rede C-40 para acelerar a mudança dos transportes para modos sem emissões de carbono. Nós não trabalhamos com tecnologias que tenham alguma emissão. A tendência é que os ônibus diesel e elétricos tenham custos equivalentes por volta de 2030. Então, não há porque manter o sistema diesel nas cidades. Estamos num momento em que é preciso ser mais audacioso e propor alterações mais rápidas. São Paulo já experimentou o biogás e ficou comprovado que essa opção exige a implantação de novas infraestruturas. Então por que não implantar logo essa infraestrutura para os elétricos?
Você poderia falar um pouco mais sobre o Projeto Zebra?
O projeto Acelerador de Implantação Rápida de Ônibus Zero Emissões foi criado por duas organizações internacionais, a C40 Cities, uma rede de prefeitos comprometida com as metas do Acordo de Paris, e que hoje conta com 94 cidades das maiores cidades do mundo; e o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT), organização independente, sem fins lucrativos, que fornece pesquisas e análises técnicas aos reguladores ambientais, com vistas a melhorar o desempenho ambiental e a eficiência energética do transporte rodoviário, marítimo e aéreo. Além de acelerar o processo de mudança, o projeto quer estimular a competição entre fabricantes, de forma a proporcionar avanços, permitir que os operadores experimentem diferentes marcas e também atrair atores do mundo financeiro para investirem nos transportes sem emissões de carbono.
Onde o projeto vem atuando?
Estamos trabalhando com prioridade para quatro cidades - São Paulo, Medellin, México e Santiago - porque são metrópoles que já demostraram interesse em inovar e que já haviam assinado alguns compromissos nesse sentido. A ideia é mostrar as transformações nesses centros e estimular a troca de informação com outras localidades do continente. Para essa atividade já temos um compromisso de instituições financeiras de investir 1 bilhão de dólares até 2021 em projetos de renovação das frotas de ônibus. O grande diferencial do projeto Zebra é essa articulação de atores: gestores públicos, fabricantes de veículos, operadores e financiadores.
Já que é para mudar, por que não veículos elétricos sobre trilhos?
Temos que pensar em um modo de transporte que consiga atender a todos os bairros, inclusive aos locais mais distantes dos centros. A ideia é constituir uma rede, com trens, metrô e ônibus para alimentar os sistemas de alta capacidade.
E quando essas mudanças se tornarão visíveis nas ruas?
São Paulo está por liderar esse processo no Brasil. A cidade vai passar a operar os primeiros 15 ônibus elétricos a bateria. E, como ocorreu em Santiago, provavelmente os passageiros darão preferência aos elétricos, porque os ônibus são silenciosos, climatizados e têm uma circulação mais suave, sem aquelas arrancadas e frenagens comuns nos ônibus diesel. A previsão é que entre 1.000 a 1.400 ônibus diesel tenham que ser renovados a cada ano na cidade, após cumprirem o tempo máximo de operação, que é de dez anos. E a nossa expectativa é que todos sejam substituídos por ônibus elétricos.
*Zebra: Financiado pela rede global P4G de líderes em crescimento econômico verde, o projeto Zebra (sigla em inglês para 'acelerador de implantação rápida de ônibus com emissão zero') é liderada pela C40 e pelo ICCT e apoiada pelo Centro Mario Molina no Chile e pelo World Resources Institute.
Leia também:
Acordo busca zerar emissões no transporte público de São Paulo
Eletra lança ônibus elétrico híbrido com tecnologia 100% nacional
Carro movido a hidrogênio: alternativa sustentável que dispensará bateria
Imobilismo e inspeção veicular suspensa agravam poluição em SP
Rio se compromete a ter apenas ônibus zero emissões a partir de 2025