Prezada motorista do ônibus da linha 7267,
Na semana passada peguei um ônibus que você dirigia. Ao entrar, vi que era uma mulher, e me dei conta de que esse é um fato raro. Descobri depois que apenas 2% dos motoristas de ônibus de São Paulo, segundo a SP Trans, são mulheres.
Notei também que você dirigiu com uma civilidade incomum, acelerando e freando com calma. Naquelas canaletas estreitas com o asfalto desgastado em que os outros motoristas realizam desvios bruscos, achei que você contornou os buracos com muito mais serenidade.
O ônibus representa quase 9% de todas as viagens da cidade, mas muita gente reclama da falta de conforto. Naquele dia, porém, no seu ônibus, os passageiros pareciam inspirados pela tranquilidade da condução. Alguns trocavam palavras gentis com você e o simpático cobrador ao entrar. Apesar do horário do rush estar chegando, vi gente conversando, estudantes rindo e até uma mulher que ajeitava a maquiagem.
Você acha que existe diferença no comportamento entre homens e mulheres quando dirigem? É difícil generalizar, não? Tem gente que dirige bem e muita gente que dirige mal, homens e mulheres, mas o fato é que a maioria esmagadora dos acidentes de trânsito com vítimas envolvem motoristas homens. Segundo o relatório Infosiga 2017, apesar de as mulheres representarem 37% do total de motoristas do Estado de São Paulo, elas estão envolvidas em apenas 8% de todos os acidentes graves.
Fui conversar com o ex-secretário de transportes da cidade de São Paulo e atual diretor de mobilidade da WRI, Sergio Avelleda, que diz que esses indicadores se repetem em outros países.
Ele acredita que mulheres têm uma relação mais pragmática com o veículo motorizado e não uma relação de poder, como os homens. "Se o percentual de mulheres dirigindo fosse maior, o trânsito seria mais seguro". Interessante, não? Acho que não precisamos de mais uma politica de cotas na cidade, mas quem sabe haja algo que se possa fazer para incentivar outras mulheres a seguirem a carreira de motorista?
Independente do gênero de quem dirige, é bom saber que há linhas de ônibus em que as pessoas não temem freadas e acelerações bruscas e podem conversar, ver mensagens, pensar na vida e até refazer a maquiagem.
Antes de descer do ônibus perguntei seu nome ao cobrador. Agradeço à você, Joyce Costa (e a outros bons motoristas seus colegas) pela competência e respeito e torço para que essa empatia sirva de inspiração aos demais.
Bom trabalho!
Mauro
*Mauro Calliari é jornalista e atiivista da mobilidade urbana sustentável. Escreve todas as semanas no blog Caminhadas Urbanas, no jornal O Estado de S.Paulo
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