O papel da mobilidade urbana no acesso à cidade

Artigo discute como o espaço urbano reproduz as desigualdades sociais, e a mobilidade como sendo uma forma de evidenciar essas disparidades

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Fonte: Archdaily Brasil  |  Autor: Eduardo Souza*  |  Postado em: 30 de agosto de 2019

Mobilidade urbana vista de forma holística e abran

Mobilidade urbana vista de forma holística e abrangente

créditos: Claudio Olivares Medina/Flickr Lic. CCBY-NC-ND 2.0

Deslocar-se pelas cidades é requisito básico para o acesso e o desenvolvimento da maioria das atividades humanas. São viagens diárias entre residência e trabalho, estudo, lazer, ou outros compromissos cotidianos. E nem sempre são feitas com as melhores condições de conforto, seja em transportes lotados ou congestionamentos. 

 

Mobilidade urbana é um tema muito atual e bastante debatido, desde rodas de conversas informais até seminários técnicos e científicos. É difícil encontrar alguém que não tenha uma opinião formada sobre o assunto ou alguma solução milagrosa para os problemas de sua cidade ou região. 

 

Quanto mais conectado e melhor servido de transporte, mais valorizado é um local. Foto: Ciclo Vivo/ Cortesia

 

Nossas cidades são produzidas ininterruptamente, crescem e se reinventam através de políticas públicas e iniciativas de entes privados que seguem interesses diversos, com as condições de acessibilidade e infraestruturas sendo majoritariamente construídas através de investimentos do Estado. 

 

O urbanista Flavio Villaça aponta que as noções de “perto e longe”, “bem localizado e mal localizado” não podem ser reduzidas a simples distâncias físicas. São produzidas através dos sistemas de transportes, da disponibilidade de veículos entre distintos estratos de renda (automóvel x transporte público), por meio da distribuição espacial das camadas sociais, dos locais de emprego, das zonas comerciais e de serviços, dos centros (que nem sempre correspondem aos centros antigos). 

 

Quanto mais conectado, bem servido de transportes e “bem localizado” um local, mais valorizado ele é. Enquanto alguns podem escolher onde morar, muito outros residem onde é possível. Isso quer dizer estar mais próximo ou mais afastado do seu trabalho, das opções culturais e de lazer da sua cidade. 

 

Assim, o espaço urbano reproduz, amplifica e consolida as desigualdades da sociedade. E a mobilidade é uma das formas mais brutais de evidenciar  diariamente essas disparidades, por meio dos deslocamentos penosos que grande parte da população tem que passar. 

 

Boas condições de deslocamento permitem acesso, integração e convívio dos habitantes  Foto: Copenhagenize Design Company

 

A maioria das cidades se consolidou em um modelo centro-periferia, com ocupações espraiadas, alta concentração de oportunidades - empregos, serviços, saúde, educação, lazer e cultura nas áreas centrais, e as camadas menos favorecidas morando nas periferias (os chamados bairros-dormitório). É por isso que a mobilidade está diretamente relacionada à inclusão social e o acesso às benesses produzidas nas cidades. Abordar a mobilidade urbana e acessibilidade à cidade de uma forma mais holística e abrangente é vital. São mais sintomas do que problemas em si. Buscar resolver problemas de mobilidade apenas com transportes é como enxugar gelo.

 

Políticas habitacionais sérias, controle de preços, combate a gentrificação, e a criação de espaços públicos, culturais e de educação devem estar no cerne do planejamento urbano. Descentralizar os investimentos públicos é também imprescindível, para reduzir as necessidades de viagens. 

 

Mas o que a mobilidade urbana tem a ver com acessibilidade? Proporcionar condições de deslocamentos acessíveis e adequados permite o acesso, a integração e o convívio dos habitantes com as cidades. E isso não quer dizer  apenas dispor transportes da residência ao trabalho. Quer dizer proporcionar o acesso à cultura e ao lazer. Se as cidades são construídas com investimentos públicos, nada mais justo que permitir o usufruto de todos. 

 

VLT na área do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro Foto: Mariana Gil/WRI Brasil

 

A mobilidade urbana não deve ser estudada ou considerada de forma isolada, limitada a um problema de transporte público, modais, de engenharia de transportes ou eficiência de deslocamentos. Deve ser integrada a uma reflexão sobre a totalidade urbana, de sua complexidade e contradições, dos conflitos e diferentes interesses e desigualdades que se manifestam nas cidades. Antes de tudo, deve ser pensada para proporcionar um maior acesso à cidade. O arquiteto desenha a cidade, seja através de um pequeno edifício ou de um masterplan. Temos que ter a consciência de que cidades e sociedades mais justas podem ser possíveis através das nossas ações.

 

*O autor: Eduardo Souza é arquiteto urbanista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre no Programa de Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, também na UFSC, com pesquisa relacionada ao tema da mobilidade e dispersão urbana. Interessado em projetos de requalificação urbana, transportes não-motorizados e espaços públicos, entre muitos outros assuntos. Artigo originalmente publicado no Archdaily Brasil.

 

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