Em abril, a prefeitura de Vitória (ES) notificou 755 proprietários de imóveis cujas calçadas traziam obstáculos ao caminho do pedestre, com interferências como postes, árvores e buracos no piso. Mas o próprio poder público, no entanto, não tem sido rigoroso com a qualidade dos passeios sob sua responsabilidade. Em áreas longe do centro, quer dizer, situadas fora dos bairros mais novos e planejados, as calçadas capixabas muitas vezes são estreitas, irregulares, sem conservação. São justamente lugares onde a população mais circula a pé, em busca de atendimento nos serviços públicos de postos de saúde, delegacias, escolas, hospitais.
Quem conta é a estudante de arquitetura Mariane Dantas, que se diz ainda uma pedestre e ciclista ativa. Por cerca de um mês, a jovem foi a campo, prancheta e celular na mão, para avaliar as condições de caminhabilidade na capital do Espírito Santo para a Campanha Calçadas do Brasil, do Mobilize. Nesse trabalho, ela viu a oportunidade de aperfeiçoar seus estudos: "Esta pesquisa está colaborando para o meu projeto final de graduação do curso de arquitetura na Universidade Federal do Espírito Santo", comenta.
"Entendo que identificar a problemática das calçadas é um pontapé inicial para promovermos as mudanças que as cidades brasileiras tanto precisam", diz Mariane sobre a campanha. E acrescenta: "Ao deixar de priorizar a construção de autopistas e vias de tráfego, para em vez disso estimular a socialização e o caminhar do ser humano, o que se está fazendo é influenciar na liberdade do ir e vir, e promover a saúde física e mental das pessoas".
Veja a seguir outras observações de Mariane após este levantamento:
Como está a cidade de Vitória quanto à possibilidade de uma pessoa caminhar?
Nos bairros mais novos e planejados, há muitas calçadas regulares. Atribuo esse resultado ao projeto Calçada Cidadã, da prefeitura, que é mais expressivo nessas áreas. No entanto, nos locais onde mais se necessita de calçadas adequadas, principalmente próximo a centros de saúde e instituições públicas, o caminhar encontra sérias limitações em razão da pouca largura dos passeios, da existência de buracos, da falta de sinalização e da não colaboração das pessoas na conservação da limpeza nas vias.
Há algum plano para melhoria de calçadas, sinalização e equipamentos de apoio à mobilidade a pé em Vitória?
Como disse, a cidade tem o projeto Calçada Cidadã, determinado pelo plano diretor da cidade, que coloca sob responsalidade do proprietário do imóvel cuidar desse espaço. O projeto determina a padronização das calçadas, e estabelece basicamente a separação da faixa destinada à circulação dos pedestres da faixa de serviço destinada ao mobiliário urbano.
Como foram selecionados os locais avaliados nesta Campanha?
Inicialmente optei por identificar os trajetos mais percorridos por pessoas com características e necessidades especiais. Por exemplo, locais procurados pela população para tratar seus problemas de saúde, e que por isso demandam uma condição mais adequada para a locomoção. É o caso de centros de saúde, onde há muita circulação de mulheres grávidas ou com crianças de colo, e também idosos. Em seguida, procurei mesclar outros tipos de equipamentos urbanos, e fui variando a escala de abrangência.
Após este trabalho, o que dizer da cidade quanto à adequação aos critérios adotados nos formulários da campanha?
Bem, a conclusão é que Vitória ainda não prioriza o pedestre, Isso se vê pela inexistência de uma quantidade mínima de faixas de segurança para a travessia, pela falta de iluminação e sinalização adequadas, e pela não regularização das calçadas conforme os parâmetros desta avaliação.
Calçada em péssimo estado de conservação na Av. N. Sra. da Penha, bairro Santa Luíza. Foto: Mariane Dantas
Qual seria uma solução que, na seu entender, que poderia ajudar a melhorar a caminhabilidade nessas áreas?
Acho que o que está faltando nas iniciativas do poder público é uma cidade feita para pessoas. Seria preciso construir a cidade sob o olhar de quem anda, estimular espaços públicos para o pedestre, e não deixar tantas áreas como vagas de carros, por exemplo. Em grande parte das calçadas percebi que há grandes espaços destinados a estacionamento de veículos e uma largura pífia para o pedestre. Poderiam estender as calçadas e ocupar todo esse espaço para quem dele precisa.
A qualidade maior ou menor das calçadas variou segundo o tipo de equipamento - escola, hospital, edifício administrativo?
Sim, notei que à frente dos edifícios administrativos as calçadas são mais largas e regulares, se comparado com as calçadas de equipamentos como escolas e hospitais, delegacias... aliás, principalmente a delegacia da mulher, que tem calçadas bem ruins, irregulares.
*Mariane Dantas estuda arquitetura e urbanismo na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e é pedestre e ciclista ativa. Atualmente participa como aluna de iniciação cientifica do Laboratório de Pesquisas Teóricas em Artes e Arquitetura (GPTA) da própria universidade. Interessada pela forma das cidades e na maneira pela qual o ser humano constrói seu habitat.
Veja fotos das avaliações das calçadas de Vitória na galeria do Mobilize.
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