Cansados das promessas da prefeitura, há cerca de dois anos um grupo de cadeirantes bloqueou a rua do Comércio, no centro de Maceió, para protestar contra a falta de acessibilidade nas vias da cidade. De lá para cá, nada ou bem pouco foi feito para melhorar a situação de precariedade em que se encontram as calçadas da capital alagoana - faltam rampas de acessibilidade, sobram buracos, vários passeios são estreitos e a sinalização voltada para o pedestre é algo que praticamente não existe.
Foi esse o panorama crítico observado pelos avaliadores da Campanha Calçadas do Brasil, do Mobilize, durante todo o mês em que a equipe percorreu as áreas da cidade registrando os vários problemas. A conclusão é que, em Maceió, boas calçadas são uma exceção. Oito pessoas formaram o grupo que realizou as avaliações na capital, entre eles, integrantes do Coletivo Urbano Aqui Fora, alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (FAU-UFAL) e da Universidade Tiradentes (UNIT)*. A coordenação dos trabalhos ficou a cargo de Willian Félix de Oliveira Júnior**, que, em seus estudos de arquitetura, dedica-se particularmente ao tema do transporte ativo, com ênfase na mobilidade a pé. Veja a seguir o que diz o pesquisador:
Como é caminhar por Maceió? Uma pessoa em cadeira de rodas consegue se locomover pelas calçadas?
De modo geral, a cidade apresenta um ambiente hostil à caminhabilidade, e completamente limitante à circulação com cadeira de rodas. As constantes variações no padrão de calçadas inviabilizam a livre passagem dos deficientes físicos, que enfrentam diferenças no nível do piso, além de rampas íngremes feitas para acesso dos carros aos lotes. Já as rampas de acessibilidade, essas são escassas e, quando existem, são inadequadas. Pelo caminho, o pedestre se depara também com todo tipo de pavimento impróprio, buracos e obstruções, em geral devidas à má locação de equipamentos como postes e placas. Como as condições das calçadas inviabilizam completamente a circulação com cadeira de rodas, é usual presenciar deficientes se arriscando pela faixa de rolamento, circulando junto com os carros.
Há algum plano para a melhoria das calçadas ou equipamentos de apoio à caminhabilidade?
A Prefeitura de Maceió segue sem apresentar seu Plano de Mobilidade, apesar de o município estar enquadrado entre os que têm essa obrigatoriedade. Por outro lado, neste momento a cidade está atualizando seu plano diretor. Mas posso citar algumas iniciativas públicas em favor da mobilidade a pé, como a cartilha de orientação para construção de calçadas, de 2018. Há também o projeto da Algás (concessionária alagoana de gás natural), que lançou a campanha “Algás calçada verde”, para o plantio de até duas árvores na calçada de cada prédio cliente residencial da empresa. Da sociedade civil, também há alguns movimentos, como a Jane´s Walk e o Dia Mundial sem Carros, que contribuem para a discussão da mobilidade ativa.
Que critérios vocês adotaram ao selecionar os locais a serem avaliados para a Campanha?
Queríamos ter um panorama geral da cidade, no que toca à caminhabilidade, então escolhemos equipamentos em todas as regiões, incluindo bairros históricos, centro comercial, bairros consolidados, novas centralidades, além de vias de grande movimentação diária de Maceió. Além disso, buscamos pontuar locais em bairros de diferentes condições socioeconômicas, de forma a demonstrar a proporção de infraestrutura ofertada em bairros de classes econômicas predominantemente diferentes. Procuramos ainda diversificar os tipos de usos identificados nos locais de avaliação, e priorizar locais com grande atração de público.
Praça D. Pedro II (Centro) abriga vários prédios da administração, mas calçadas têm obstruções. Foto: Willian Félix
Olhando agora para o resultado final das avaliações, o que diz do cuidado público para com as calçadas?
No final, na maioria dos itens avaliados Maceió obteve resultado médio ou ruim. O destaque fica por conta da sinalização para pedestres, inexistente em praticamente 100% dos casos, o que traduz a condição desse equipamento em toda a cidade.
Quero ressaltar que, embora as calçadas dos edifícios sob responsabilidade pública tenham tido notas baixas, com diversas inadequações, percebemos que, comparadas às dos estabelecimentos privados, principalmente os de pequeno porte, a esfera do poder público apresenta calçadas com maior padronização, mais manutenção e atenção às recomendações das normas. A conclusão é que a responsabilização do proprietário do lote pelo seu segmento de calçada (principalmente em residências e pequenos comércios) favorece a ausência de padronização e contribui para o estado de depredação e inadequação em que elas se encontram.
O que concluir então das condições de caminhabilidade em Maceió?
No trabalho de campo, pudemos observar o tamanho do descaso em relação a elementos que são condicionantes básicas e imediatas de uma boa caminhabilidade em vias públicas. Dadas as condições climáticas de Maceió, estas condicionantes seriam: a presença de sinalização vertical para orientação, faixas de pedestre bem posicionadas, seguindo as linhas de desejo de quem caminha, e mobiliários urbanos bem locados, de modo a formar recantos urbanos para o descanso e encontros, sempre com as devidas estratégias de sombreamento. A falta destes elementos tem consequência direta nas más condições de caminhabilidade na nossa cidade.
Qual a importância da participação nesta Campanha?
Esta ação permitiu incluir Maceió no mapa de avaliação das calçadas do Brasil, e demonstrar as urgentes mudanças necessárias nos padrões de nossos calçamentos. Foi uma grande experiência estar em campo produzindo informações para a cidade, fazendo parte de uma campanha nacional, integrando nosso grupo a uma rede de pessoas envolvidas e determinadas em atuar pela mobilidade urbana sustentável.
Veja mais fotos de Maceió na galeria do Mobilize
Avaliadores da Calçadas do Brasil 2019 em Maceió:
Willian Felix de Oliveira Junior é graduando em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (FAU-UFAL), integra o Núcleo de Projetos Especiais, com pesquisas de humanização em projetos arquitetônicos. Membro do coletivo urbano Aqui Fora, que produz projetos de reativação dos espaços públicos. Estagiário na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente, tem predileção pelo estudo da mobilidade urbana a pé, com ênfase em caminhabilidade e transporte ativo.
Ana Carolina Bandeira Silva é graduanda em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário Tiradentes de Alagoas (UNIT). Integrante do projeto de extensão sobre mobilidade urbana, realiza pesquisas e intervenções de planejamento urbano. Participa também do grupo de estudos sobre os engenhos de açúcar e patrimônios históricos de Alagoas.
Solange Fernandes Torres é técnica em edificações pelo Instituto Federal de Alagoas (IFAL). Graduanda em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). Tem experiência como técnica em edificações em acompanhamento de obras e cmo desenhista técnica, atuante desde 2017 no desenvolvimento de projetos arquitetônicos e urbanísticos.
Maria Clara Rodrigues Gomes é graduanda em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). Participa do projeto de extensão do reordenamento viário do bairro de Cruz das Almas, através do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (Detran-AL). É membro do coletivo urbano Aqui Fora, produzindo projetos de reativação de espaços públicos. Integrante do projeto de extensão sobre mobilidade urbana do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL), e realiza pesquisas sobre o tema. Atualmente elabora trabalho de conclusão de curso que aborda a temática do direito à cidade sob a perspectiva de gênero.
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