A ponte estaiada, que leva o nome de um dos escritores mais importantes da Irlanda, fica sobre o Rio Liffey, quase em frente ao Centro de Convenções onde foi realizada a Velo-city 2019. Na verdade, Samuel Beckett estudou a 1,7 km dali, na Trinity College, a Universidade de Dublin. Na Trinity também estudaram Oscar Wilde e Jonathan Swift, autor de "As Viagens de Gulliver".
Campus da Trinity College, a Universidade de Dublin Foto:
A arquitetura medieval dos prédios faz com que o visitante seja transportado para o século XVI. As pedras e os voos rasantes das gaivotas compõem o clima, mas os estudantes aqui se inspiram no passado para escrever o futuro.
Essa é a história de Veronica Sesoko, que há um ano cursa o mestrado em engenharia de transportes na Trinity. Ela é bisneta de japoneses, nascida em São Caetano do Sul, ABC Paulista, formada em engenharia civil pelo Instituto Mauá de Tecnologia. Veronica tem 25 anos e é uma das funcionárias mais jovens do Smart Dublin, um departamento da prefeitura. Recém-contratada, faz parte de uma equipe interdisciplinar que testa a viabilidade de projetos de inovação em mobilidade, inclusão social e digital.
A brasileira Veronica Sesoko durante o Velo-City 2019 Foto: Denise Silveira
A Irlanda é fortemente engajada na redução de poluentes e na preservação do meio ambiente, assim como outros países da Europa, muito afetados pelas recentes ondas de calor causadas pelo desmatamento e efeito estufa. O objetivo é fazer com que as pessoas não usem mais carros movidos a combustível fóssil. A administração pública quer que os motoristas deixem seus veículos poluidores e adotem a bicicleta elétrica com pedal assistido para circularna cidade.
"O Dublin City Council quer promover o caminhar e ciclismo. Fazer as pessoas mudarem do carro para a e-bike, quando as distâncias são consideradas grandes para pedalar uma bike normal", diz Veronica.
Ela e seus colegas acabam de começar um novo teste: o Smart Mobility Hub, nome para o compartilhamento de e-bikes e carros elétricos. Todos passam por uma capacitação obrigatória. "No treinamento, o instrutor explica como usar o aplicativo para reservar a bike, como funciona a e-bike, o tempo de duraçãoe como carregar a bateria e instruções de como usar as travas na bicicleta”, conta Veronica. Em Dublin, ela explica, o furto das bikes estacionadas é frequente.
Verônica aprendeu ainda como encher os pneus e como usar a e-bike dobrável, que pode ser levada no transporte público. Detalhe de segurança: a orientação é sempre usar o colete amarelo de segurança e o capacete, acessórios oferecidos pela prefeitura.
Veronica Sesoko no bicicletário da prefeitura, onde trabalha Foto: Arquivo pessoal
O programa está restrito aos funcionários enquanto durarem os testes, sempre realizados durante o horário de trabalho, das 6h30 às 19h. O objetivo é sentir na pele as dificuldades, ver o que dá certo e o que precisa ser melhorado. O projeto está na segunda fase. A fase 1 foi uma chamada às empresas interessadas em participar com um plano de negócios. Quatro empresas foram selecionadas. A fase 3 envolverá a implementação para todos, o que pode acontecer em seis meses.
No departamento onde Veronica trabalha estão disponíveis oito e-bikes, quatro delas dobráveis e 20 bicicletas comuns. Também estão disponíveis quatro carros elétricos compartilhados e uma van elétrica. Por causa do seguro, é obrigatório ter habilitação nacional. A ideia de compartilhar carros elétricos é uma saída economicamente acessível, porque o custo para a compra individual é muito alto. Não vale a pena para o consumidor, mesmo com recarga grátis. E não cumpre o objetivo de tráfego que é tirar os carros da rua.
Em Dublin, uma empresa privada de delivery de comida patrocina as bicicletas comuns compartilhadas já em funcionamento, mas é a prefeitura que administra. São aquelas retiradas e devolvidas em estações. A trava não é no pneu, mas na lateral, para dificultar os furtos. Existe um outro serviço de bicicleta compartilhada dockless, que pode ser deixada em qualquer lugar, administrada pela iniciativa privada.
Bicicletas públicas de Dublin e sua trava de segurança Fotos: Denise Silveira
Na Velo-City, Veronica assistiu aos painéis relacionados à mobilidade como serviço. Além das soluções tecnológicas de compartilhamento, a pauta era associada à implementação de políticas públicas de incentivo à bicicleta e criação de malha cicloviária. "Entre as atividades que acompanhei, há algumas em que as realidades, culturas e comportamento influenciam". Ela acredita que algumas regras adotadas na Holanda, por exemplo, não funcionam na Irlanda. E aposta numa transição gradual do carro para o ciclismo com assistência elétrica.
Mas, algumas polêmicas ainda rondam os veículos elétricos. O descarte das baterias ainda aguarda uma solução sustentável das indústrias. E o pior: a maior parte da energia da Irlanda vem das termelétricas, também poluentes.
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Os patinetes elétricos, por enquanto, são proibidos. Não apenas nas calçadas, nas ruas também. Porém, é possível ver alguns no trânsito. O usuário corre o risco de ter o patinete apreendido pela polícia. Um prejuízo e tanto, já que o "brinquedo" pode custar o equivalente a 2.500 reais. O assunto aqui também é polêmico.
Entre os veículos que ainda dependem de regulação do setor, um é inusitado. O rickshaw, (riquixá, em português) uma espécie de tuc-tuc com bicicleta. O Ministério dos Transportes estima que circulem cerca de mil na capital da Irlanda. Eles são clandestinos e podem ser vistos à noite, nas portas dos pubs. Atendem jovens e turistas que bebem além da conta ou ficam cansados para ir embora a pé. O táxi aqui é muito caro. Ano passado, 154 condutores de rickshaw foram presos numa ação contra o uso de drogas.
Conversei com um brasileiro condutor de rickshaw. C......* conta que são muitos brasileiros trabalhando como ele. Durante o dia, são auxiliares no comércio e restaurantes. E complementam a renda com a atividade irregular. Segundo a Autoridade Nacional de Transporte, 57% dos passageiros de rickshaw sofreram algum tipo de acidente ou quase. O número leva em conta também os motorizados. Se você quiser experimentar, C......* dá uma dica: fique esperto também para não ter nenhuma perda financeira. Acerte o preço antes de embarcar. E confirme que o preço é pela corrida e não por pessoa. Senão a tarifa pode dobrar quando chegar ao destino.
*O nome foi omitido para preservar o entrevistado
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*Denise Silveira é jornalista e documentarista. Participou da Velo-City, em Dublin, como conferencista no painel "Mídia, Amiga ou Inimiga". Ela aproveitou a estada na Irlanda para entrevistar personalidades, fazer fotos e registrar alguns lances legais. Em 2018, seu filme "Ciclovia Musical" ganhou Menção Honrosa no Mobifilm 2018, Festival Brasileiro sobre Mobilidade e Segurança no Trânsito.
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