Pedestre em J. Pessoa tem barreiras até ao ir de casa ao ponto de ônibus

Caminhar na capital paraibana não é fácil, ainda mais para pessoas com mobilidade reduzida, diz avaliadora da Campanha Calçadas do Brasil

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha/ Mobilize  |  Postado em: 06 de agosto de 2019

Falta de padronização em calçada de área hospitala

Falta de padronização do piso em calçada de área hospitalar

créditos: Jéssica Lucena

 

A falta de padronização e continuidade dos passeios, aliada à falta de manutenção desse equipamento pelo poder público, foram os principais problemas observados pela arquiteta Jéssica Gomes de Lucena, que fez os levantamentos em João Pessoa da Campanha Calçadas do Brasil 2019. 


Graduada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e mestranda em desenvolvimento urbano pela UFPE, ela desenvolve pesquisas com ênfase em planejamento, gestão, desenho e mobilidade urbana e microacessibilidade. Na sua bagagem, traz ainda especialização em urbanismo pelo Institute for Housing and Urban Development Studies, da Erasmus University Rotterdam (Holanda). Quando soube da Campanha do Mobilize, Jéssica decidiu tomar para si a missão de avaliar, em duas semanas, as calçadas de sua cidade, com destaque às de maior fluxo de pessoas no bairro Centro.

 

"As calçadas aqui parecem ser vistas como espaços residuais; não há padronização nem nos projetos que estão sob responsabilidade do agente público. Então é fundamental a definição, adoção e fiscalização de um padrão de qualidade para os equipamentos voltados ao pedestre na cidade", resume a profissional.

 

Leia a seguir a entrevista com a arquiteta Jéssica de Lucena.  

 

Como é João Pessoa quanto às condições para uma pessoa caminhar, em especial sendo cadeirante?

Em geral, a cidade não apresenta uma situação favorável ao pedestre, especialmente aos portadores de necessidades especiais - cadeirantes e deficientes visuais. Para estes, os trechos adequados são muito pontuais na cidade. O maior problema é a falta de continuidade de um padrão minimamente apropriado à circulação das pessoas. Assim, alguém em cadeira de rodas até consegue acessar pontos específicos, mas seu trajeto ficará comprometido se tiver que se deslocar a outros lugares sem o uso do automóvel. Uma simples saída de casa até a parada de ônibus mais próxima muito provavelmente trará alguma barreira ao pedestre. 

 

Lixo, poste e carro estacionado tiram espaço do pedestre em João Pessoa. Foto: Jéssica Lucena  

 

Há algum plano governamental para melhoria das calçadas, ou apoio à mobilidade a pé?

Não, nenhum programa oficialmente divulgado, referente à mobilidade a pé. Há ações como por exemplo a instalação, recentemente, de totens informativos aos pedestres, com mapas de localização e indicação de pontos de interesse próximos. As melhorias e adequações de calçadas em geral acontecem dentro de projetos maiores, como reformas de edifícios públicos, ou, como há pouco tempo se viu, a inserção de ciclovia e readequação da Avenida Ministro José Américo de Almeida, um importante eixo viário que conecta o centro à praia. 

 

Quantas pessoas participaram desta avaliação, e como foram selecionados os locais?

Todas as avaliações foram feitas por mim, ao longo de duas semanas. Busquei contemplar bairros distintos dentro da cidade e, a partir disso, os usos representativos dentro da área de cada bairro. Destaquei o bairro Centro, onde há maior acessibilidade, e para onde converge diariamente o maior número de pessoas. É lá também que estão contempladas as maiores ofertas de serviços públicos da cidade, de modo que procurei definir pontos de avaliação próximos a esses locais, como praças importantes do bairro. Os mercados que escolhi são os mais movimentados da cidade, e os edifícios relacionados à educação selecionados incluíram diversos níveis de ensino, em bairros de destaque.  

 

Ao final, como vê sua cidade em relação aos critérios de caminhabilidade priorizados na Campanha? 

Em termos de adequação ao que existe em João Pessoa, os itens que apresentaram maior carência foram: ‘semáforo de pedestres’; ‘mapas e placas de orientação’; e ‘existência de mobiliário urbana e praças’. Semáforos específicos para pedestres, e com sinal sonoro, foi algo incomum de se observar nas vias. Especialmente no Centro, um problema nos cruzamentos com semáforo é a falta de tempo adequado para a travessia do pedestre. Quanto às placas de orientação, na maioria das vias o que existe se destina a orientar os motoristas, não o pedestre. E mesmo os novos totens com mapas para pedestres, que vi em alguns pontos avaliados, não são acessíveis a deficientes visuais. É raro haver mobiliário para o conforto do pedestre; o que mais existe de mobiliário urbano são postes, lixeiras e placas de sinalização.

 

Quanto ao cuidado do poder público com as calçadas? Alguma solução urbanística ajudaria na melhoria da caminhabilidade nessas áreas?

Se observar o resultado das avaliações, o que se depreende é a falta de atenção voltada a este tipo de espaço tão fundamentais à dinâmica da cidade. A falta de padronização, e consequente falta de continuidade, é o principal problema encontrado. E isso se dá devido à falta de atenção dos agentes públicos. As calçadas parecem ser vistas como espaços residuais, e não há padronização nem nos projetos que são de sua responsabilidade, nem na produção e manutenção dos pisos. É fundamental a definição, adoção e fiscalização de um padrão de qualidade para as calçadas da cidade, estabelecido e regido pela legislação municipal. 

 

Hospital Napoleão Laureano: tampa quebrada é risco ao pedestre. Foto: Jéssica Lucena  

 

No seu levantamento de calçadas, o que você destacaria?

Algo bem representativo das avaliações foi a largura total e a largura útil [faixa livre ao pedestre] das calçadas. Em geral, todos os equipamentos tiveram largura total com notas altas, ou seja, largura total adequada e confortável. O problema está nas larguras úteis encontradas, que em grande parte estão comprometidas pela má alocação de mobiliário urbano. São calçadas obstruída por buracos, rampas fora de norma, com degraus inadequados; ou bloqueadas por questões atitudinais, como carros estacionados irregularmente, lixo disposto erradamente no passeio. Essas barreiras, físicas ou atitudinais, comprometem bastante a largura útil das calçadas. 

 

Calçada com inclinação irregular no acesso à escola infantil (Emef Nazinha Barbosa). Foto: Jéssica Lucena    

 

Você vistoriou escolas, hospitais, prédios administrativos... Há variação de qualidade segundo o tipo de equipamento?

Os edifícios públicos relacionados ao poder judiciário foram os que apresentaram as melhores avaliações, especialmente em relação à acessibilidade. Em geral, os pavimentos são regulares, de boa largura e sem obstáculos, e há pisos táteis e rampas que auxiliam a passagem de pessoas com necessidades especiais. Também nos mercados as avaliações foram positivas. Curiosamente o mercado que teve a pior avaliação é o que está localizado na área mais turística, com as calçadas bloqueadas por carros e carrinhos, sem rampas de acessibilidade e área útil extremamente reduzida, de difícil acesso a pedestres com mobilidade reduzida ou cadeirantes.

No entorno de terminais de transporte de maior porte, como o Terminal Rodoviário e o Terminal de Trens, encontrei boas condições, mas com pequenos problemas de poluição sonora e atmosférica. Já os entornos de hospitais os problemas são graves: há falta de regularidade dos pisos, e é frequente a ocorrência de barreiras e obstáculos nos percursos. 

 

Desleixo do poder público para com as calçadas é evidente. Foto: Jéssica Lucena

 

O que a Prefeitura deveria fazer para melhorar a qualidade das calçadas, principalmente as que estão sob sua responsabilidade? 

A falta de fiscalização, e de aplicação das penalidades aos que descumprem as exigências/normas é importante na explicação da situação das calçadas de João Pessoa. 

É essencial que as normativas sejam revisadas e que o cumprimento dos pontos estabelecidos nas legislações seja fiscalizado. Seria recomendável a elaboração de cartilhas e manuais, em linguagem acessível e didática, para facilitar à sociedade civil o acesso à informação. Ações de cunho educativo também precisam ser realizadas, pois é primordial que os agentes envolvidos estejam cientes de seus deveres e responsabilidades. Após esse período de conscientização, resta fiscalizar e multar onde houver infração.   

 

Veja mais fotos de João Pessoa na galeria do Mobilize.


 

*Jéssica Gomes de Lucena é mestranda em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba. Também possui especialização em Desenvolvimento e Gerenciamento Urbano pelo Institute for Housing and Urban Development Studies (IHS) da Erasmus University Rotterdam. Tem ênfase nas pesquisas de planejamento e gestão urbana, desenho urbano, mobilidade urbana e microacessibilidade.

 

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