Proprietária de um salão de beleza em Manaus (AM), Navratinova Evert Cardonha também é ciclista. Mais que isso, ativista pela bicicleta, com participação em coletivos como Pedala Manaus, Bike Anjo e Apta Mobilidade. Trabalha voluntariamente em ações de mobilidade ativa, atuando na causa "Massa Crítica", que engloba também a caminhabilidade e a ocupação do espaço público por pessoas.
Em abril e maio passado, Navratinova assumiu sozinha a tarefa de avaliar a acessibilidade e a caminhabilidade nas ruas e praças de sua cidade, dentro da Campanha Calçadas do Brasil 2019. Nesta entrevista, realizada por whatsapp no mês de julho, ela comenta os resultados e aponta os principais problemas que dificultam a vida do pedestre na metrópole do Amazonas.
Você é sobretudo uma ativista da bicicleta. Por que decidiu avaliar as calçadas de sua cidade?Aceitei participar da Campanha porque, além de ciclista, sou pedestre. Somos todos pedestres. E acessibilidade é um direito de todas as pessoas. Preciso de vias próprias e decentes para pedalar, mas preciso também de calçadas boas para caminhar e poder transitar pela cidade. Defendo a causa da mobilidade e me interesso por tudo que a envolve.
Navratinova, com sua bike
E como está Manaus em relação à caminhabilidade e acessibilidade?
Estamos longe de ser uma cidade caminhável: as calçadas são desconectadas, cada um usa seu próprio critério para construir o passeio, "vira uma zona". Nos órgãos públicos é que se tem alguma possível adequação, mas ainda não é o correto.
Prefeituras deixam a conservação das calçadas sob responsabilidade dos proprietários de imóveis. Por isso, nesta Campanha estamos avaliando apenas edificações e áreas mantidas pelo poder público. Você acha as calçadas "públicas" melhores do que as "privadas"?
Nem tanto: encontrei calçadas "públicas" completamente abandonadas e algumas totalmente fora do padrão. E isso em edificações dos três níveis de governo, mas especialmente nos equipamentos da Prefeitura de Manaus.
Calçada estreita e daniificada na Universidade Estadual de Manaus. Foto: Navratinova Cardonha
E quanto à sinalização: as faixas de pedestres são bem posicionadas e conservadas? Os motoristas respeitam essas faixas de travessia?
Em relação à sinalização para o pedestre, a cidade é totalmente precária. Aprendi bastante nesta Campanha e pude perceber que estamos muito distante do "aceitável"... É bem triste! Um aspecto positivo é que os motoristas hoje respeitam as faixas de pedestres, isso porque tivemos uma campanha, veiculada na televisão, sobre como proceder. Em Manaus, o pedestre deve levantar o braço e sinalizar quando vai passar, para que o motorista pare. E geralmente o carro para. O problema é que as faixas de pedestres - quando existem - normalmente são mal posicionadas e pessimamente sinalizadas.
Em Manaus, acontece como em tantas outras cidades: os pedestres terem que esperar muito tempo pelo sinal verde, e depois correr já que o tempo de travessia é curto demais?
Sim, é o mesmo em Manaus... A espera é maior que o necessário e em algumas travessias temos que fazer praticamente uma maratona, o que é muito penoso para pessoas com deficiência ou idosas. Minha mãe já caiu numa dessas corridinhas para atravessar a rua.
Como é a cidade de Manaus em relação à segurança para caminhar?
Está cada vez pior. As pessoas se sentem inseguras para andar na rua. Assaltos são frequentes dentro da Vila Olímpica, um dos locais que avaliei, onde se faz caminhadas... Já no Parque dos Bilhares, outro espaço de lazer da população, agora há uma ciclopatrulha para conter esse tipo de coisa, mas mesmo assim o clima de medo toma conta das pessoas. Cito esses dois lugares porque aqui em Manaus as pessoas costumam caminhar mais nos parques e praças. Nas ruas, é muito difícil...
Parque Ponte dos Bilhares, agora com presença de guarda para maior segurança. Foto: Navratinova Cardonha
Quanto ao conforto para quem anda, como está a cidade? Há lugares que sejam agradáveis, convidativos para o caminhar?
Entre os lugares que mapeei, somente o Largo de São Sebastião, no centro, e a orla da Ponta Negra têm calçadas boas, arborização e mobiliário para descanso. Nos outros locais, em especial nas grandes vias, o pedestre fica sob o sol, sem nenhum ponto de apoio ou parada, e sujeito ao ruído e à poluição gerada pelos veículos.
Largo São Sebastião: piso bem mantido e mobiliário para frequentadores. Foto: Navratinova Cardonha
Existe alguma ação por parte da prefeitura para melhorar as condições de circulação de pedestres e cadeirantes na cidade?
Lembro que em 2013 foi lançada uma Cartilha de Calçadas para orientar as pessoas, e havia até uma intenção de fiscalizar e multar os donos de imóveis irregulares. Isso não aconteceu e hoje não vejo nenhuma fiscalização da prefeitura. Também não há notícia de multas quando o assunto é calçada. O Ministério Público Estadual chegou a ajuizar uma ação contra a gestão municipal, na qual citava a omissão do poder público no trato dos passeios e no controle do comércio de rua, que invade calçadas e ruas da cidade (e de todas as capitais brasileiras). A sentença da Justiça definiu que se realizasse “...a imediata desocupação e reparo das calçadas, retirando as mercadorias, equipamentos, ou quaisquer materiais que obstruam a livre circulação de pedestres, e que exerça reforçada fiscalização para que o fluxo de pedestres não seja prejudicado...”. Infelizmente, nada disso aconteceu e o processo ainda está em andamento.
Se você fosse prefeita ou tivesse o poder de mudar esse quadro negativo, por onde começaria? Obras, educação, fiscalização, uma campanha de conscientização...?
Minha ação de estímulo já começa por mim mesma, que uso bicicleta como principal modo de transporte. Para fazer uso dela, preciso intercalar com caminhadas. Mas, de fato, uma mudança geral nas calçadas passaria por projetos sérios e bem planejados, campanhas de educação e conscientização, fiscalização, não somente dos órgãos competentes mas da própria sociedade. Temos que engajar as pessoas para que lutem por seus direitos e, juntos, consiguirmos mudar nossa cidade, estado, país...
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