Acessibilidade urbana e suas contradições

Para atender à norma NBR 9050-15, e construir calçadas nas dimensões corretas, arquitetos e engenheiros precisam estar à frente do processo dos Planos Diretores

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Rodrigo Barboza Zizas*  |  Postado em: 23 de julho de 2019

Dois exemplos de calçada: em rua íngreme e em rua

Dois exemplos de calçada: em rua íngreme e em rua plana

créditos: Acervo pessoal/ Rodrigo Zizas

Após a publicação da entrevista com a engenheira Célia da Rosa, do Crea/PR (Calçada é responsabilidade das prefeituras), recebemos vários comentários de leitores, entre eles o link para um artigo do também engenheiro Rodrigo Zizas. No texto ele discute as contradições entre as exigências de acessibilidade e as falhas na legislação urbana, que geram situações de difícil solução. E pede mais ação dos conselhos profissionais para qualificar arquitetos e engenheiros em relação ao tema

 

"Fala-se hoje muito em acessibilidade urbana e realmente é uma questão que deve ser ainda mais debatida do que já é... O que tenho visto, no entanto, são pessoas com pouco conhecimento cobrando resultados de melhorias e benfeitorias dos próprios cidadãos, como que se existisse "apenas um culpado" pela não resolução dos problemas de acessibilidade; e ninguém mergulhando mais fundo no mérito dessa questão. Afinal de contas muitos sabem da complexidade do tema, mas, ou se calam, ou, os que falam, são leigos. Explico:

 

Observe a foto que abre este artigo: ela é composta por duas imagens - a da esquerda é  uma calçada em uma rua íngreme, e a da direita uma calçada em rua plana ou quase plana.

 

Para uma calçada atender à norma de acessibilidade (NBR 9050-2015), ela deveria ter 70 cm de largura junto à guia para área de serviços, onde caberia o plantio de árvores, rampas de acesso de carros, lixeiras, postes de iluminação etc.; em seguida, mais 120 cm de largura, para uma área livre destinada exclusivamente para os pedestres. Mas não podemos nos esquecer das PNE (Pessoas com Necessidades Especiais). A mesma norma NBR 9050-2015 diz que a inclinação máxima da rampa é de 8,33%; isso, para uma guia padronizada de 15 cm de altura, equivale a dizer que a rampa terá 1,8 m de comprimento. Então o que prevalece já não são mais os 70 cm de largura destinados à faixa de serviços, mas sim os 1,8 m, que é o comprimento da rampa. Soma-se então 1,8 m da rampa, mais 1,2 m da faixa de fluxo de pedestre, e teremos 3,0 m de largura. Concluímos que nenhuma calçada pode ter menos do que 3 metros de largura.

 

Agora, pergunto o seguinte: Quem é que define as larguras das calçadas nas nossas cidades?

 

O Plano Diretor de cada cidade é que define onde serão as áreas industriais, as áreas residenciais, as áreas comerciais, e por aí adiante... Esse plano diretor, que cabe a cada município fazer o seu, é teoricamente elaborado por uma equipe qualificada - e digo teoricamente porque tudo indica que está faltando técnica e sobrando ordenança de quem não tem conhecimento técnico ou não o valoriza. E é comum nas prefeituras esse tipo de definição estar nas mãos de políticos e advogados, quando na verdade deveria estar sob responsabilidade de arquitetos e engenheiros. Neste ponto, vejo a necessidade de chamar a atenção dos conselhos CAU e CREA que têm sua parcela de culpa por não apoiar seus profissionais.

 

Chegamos aqui a um ponto de inflexão: ora, quem autoriza a construção de loteamentos com calçadas de 2 metros de largura, sabendo que o mínimo deveria ser de 3 metros de largura, é o mesmo poder público que cobra a aplicação da NBR 9050-2015.

 

Vale dizer que em uma rua plana ou quase plana já não é possível construir uma rampa de acessibilidade em uma calçada com 2 m de largura. Agora vamos pensar em uma rua íngreme, onde o plano diretor permitiu a construção de um condomínio residencial com lotes pequenos, tanto na largura quanto no comprimento. É normal haver loteamentos com lotes de 10 x 25 m. Pensemos em um lote de 25 m de comprimento, que é bem pequeno, e não tem comprimento suficiente para se adequar ao desnível da rua, quando esta é íngreme.

 

Então temos uma rua íngreme e um lote de 25 m de comprimento apenas. O resultado disso é a concordância do lote com a rua utilizando a calçada para a realização dessa concordância, porque simplesmente se o proprietário for fazer essa concordância dentro do seu lote - e isso seria o correto - não sobraria área para ele construir a sua casa.

 

Após essa explanação sobre responsabilidades e irresponsabilidades - e talvez esse fosse o termo adequado para se referir às prefeituras - temos uma visão clara de que todo o problema de acessibilidade tem sua origem no Plano Diretor, que é mal elaborado, e não tem participação de profissionais qualificados.

 

Faço uma segunda pergunta: Se as prefeituras sabem que uma calçada deve ter largura mínima de 3m, por que aprovam loteamentos com calçadas de dimensões inferiores a 3m?

 

A resposta está na especulação imobiliária. O raciocínio é o seguinte: "Ora, se eu posso faturar mais em uma determinada área que será destinada a construção de um loteamento, porque é que faturaria menos?" Então chegamos ao "mecanismo", o mesmo que opera em todas as esferas do país: A CORRUPÇÃO. Não há uma explicação lógica para não se atender a NBR 9050-2015, desde a concepção do Plano Diretor de cada cidade; a não ser que alguém esteja "faturando" com a não aplicação na norma.

 

A única forma de atender à acessibilidade urbana é de imediato pararmos com a hipocrisia, visto que estamos cientes de que é um assunto complexo e que tem que ser apreciado desde a concepção do plano diretor de cada cidade. É fundamental que os profissionais arquitetos e engenheiros assumam sua responsabilidade, na qualidade de representantes da NBR 9050-2015, na prática. Porque somos nós como sociedade que estamos a sofrer."

 

*Rodrigo Barboza Zizas é engenheiro civil e engenheiro de segurança do trabalho com MBA Gerenciamento de Projetos de Obras. Vive e trabalha em Pereira Barreto (SP)

 

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