O Rio Capibaribe, no Recife, até meados da década de 1970 (pouco antes de uma grande enchente em 1975) já serviu como corredor de mobilidade da Companhia de Transportes Urbanos (CTU). E é essa vocação que um grupo de profissionais quer resgatar com a ajuda da tecnologia.
Batizado de Navegue - Soluções para Expansão do Transporte Fluvial, o aplicativo pretende aproximar duas realidades: de um lado, uma demanda da população que deseja esse tipo de modal e, de outro, um serviço já existente, realizado na cidade por barqueiros, ainda de maneira informal.
O projeto, que recebe apoio do governo britânico e já passou pela fase de mentorias, está incubado no Porto Digital e está sendo desenvolvido, em fase de elaboração, por uma equipe multidisciplinar formada pela arquiteta e urbanista Nathália Machado, pelo designer Igor Cabral, pelo advogado especialista em Direito Ambiental Caio Scheidegger e pelo programador Luiz Delgado.
“Um dos nossos objetivos é viabilizar e regularizar o trabalho dos barqueiros via Sebrae e Capitania dos Portos, através da capacitação e da interação demanda-oferta”, explica Caio. Com essa capacitação, os profissionais da água ficam aptos a realizar o serviço de transporte fluvial oficialmente.
Projeto-piloto
Dentro do projeto-piloto, o grupo idealizou inicialmente dois pontos de embarque/desembarque, um no Jardim do Baobá e outro no Marco Zero, onde já existe estrutura de cais. Dez barqueiros farão o transporte entre Graças e Recife Antigo, ida e volta, num percurso fixo e horários pré-definidos para que o usuário possa se programar. “É importante no início estabelecer esses limites para nos ajudar a desenvolver as métricas necessárias para expansão num segundo momento”, justifica Nathália Machado.
De acordo com a equipe do Navegue, a legislação vigente já permite esse serviço de mobilidade urbana pelo Rio Capibaribe, desde que os barqueiros que operem sejam capacitados. “Não estamos inventando a roda e, como a operação já existia em tempos não muito distantes, não acho que precisamos de grandes obras. Estamos reconstruindo a noção de transporte fluvial que o Recife já tinha e garantindo o mais fundamental que é demanda e regularidade”, pontuou Scheidegger.
O Navegue está em fase de desenvolvimento de modelo de negócio e, dentro dessa etapa, primariamente vai trabalhar no formato Business To Business (B2B). Ou seja, o aplicativo vai oferecer o serviço para grupos de funcionários de empresas parceiras. “Já existem muitas empresas que pensam algum projeto para o rio. E por isso vamos testar com esses grupos, fazer esse convite para que as pessoas possam testar uma rota nova. Quando crescer a demanda, abrimos o app para novos usuários e novas rotas. É importante ressaltar que nós não acreditamos que o transporte fluvial pelo Capibaribe vai resolver o problema da mobilidade urbana. O objetivo do Navegue é oferecer uma outra opção de deslocamento, que é perfeitamente possível e sustentável”, defende Igor Cabral.
Segundo os barqueiros, o tempo de deslocamento previsto entre o Jardim do Baobá e o Marco Zero varia de 15 a 30 minutos, a depender de variáveis como lotação e potência do motor do barco, sentido da maré, força da correnteza e ventos. “O passageiro consegue se deslocar numa velocidade menor do que quem está dentro de um carro, mas não tem uma série de empecilhos de quem se desloca por terra, como congestionamento, semáforos e acidentes. E a média de tempo de espera por ônibus, segundo o app Moovit, é de 90 minutos no Recife”, defende Nathália.
O valor da passagem de barco ainda não foi definido, porque a equipe do Navegue acredita que o serviço possa vir a ser subsidiado. “Mas uma tarifa interessante seria entre R$ 5 a R$ 10”, completou a urbanista. Na Pesquisa Origem-Destino de 1997, o estudo chegou a apresentar os dados do transporte fluvial no Recife. Já na pesquisa de 2018, a mobilidade pelo Rio Capibaribe não apareceu nem como indicador.
Navegabilidade e compromisso ambiental
Além de apresentar uma alternativa à mobilidade urbana, o aplicativo Navegue tem como proposta voltar os olhos para o ecossistema do Rio Capibaribe e seu entorno e melhorar as condições de trabalho dos barqueiros. Para isso, a equipe desenvolvedora tem discutido com o Sebrae e a Capitania dos Portos a capacitação dos barqueiros, já que hoje eles fazem pequenos trajetos, travessias de uma margem a outra e percorrem trechos maiores apenas com perspectiva de turismo e lazer.
“Os barqueiros relatam viagens improdutivas (quando não conseguem lucro) ou que ficam muito tempo parados porque as pessoas muitas vezes não sabem que o serviço existe. Nosso projeto foca na perspectiva da não precarização desses trabalhadores para que eles possam melhorar suas vidas através do serviço que oferecem”, justifica a arquiteta e urbanista Nathália Machado.
A utilização das embarcações já existentes também é uma opção sustentável para o transporte fluvial, já que os barcos menores não impactam as margens e não trazem assoreamento do rio. Acredita-se que, com os olhos voltados para o Capibaribe, a manutenção do curso d’água também será mais frequente.
“Nós acreditamos que com o crescimento da demanda, as pessoas passando a frequentar e conhecer o Rio Capibaribe em sua essência, seja possível atrair a atenção pública para a situação do corredor fluvial. Também criar a conscientização para que não joguem entulhos. Alguns barqueiros relatam que chegam a perder três hélices por semana por causa do lixo”, comentou o advogado especialista em direito ambiental, Caio Scheidegger.
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