Em Lisboa, um micro-ônibus se move lentamente na pista ao lado de uma praça com muitos pedestres. Quando alguém passa em frente ao veículo, ele freia automaticamente e de forma suave.
Se a pessoa permanece alguns segundos bloqueando o caminho, o veículo dispara uma buzina, até o pedestre sair. Sim, o veículo dispara a buzina, porque motorista não há.
Cidades como Lisboa, onde a equipe de reportagem do jornal Folha de S. Paulo experimentou uma viagem num veículo autônomo, vêm testando formas de repassar as funções do motorista para sistemas, numa rota gradual cujo ponto final pode ser a extinção da profissão.
Quase sempre elétricos, os coletivos autônomos avançam de modo silencioso. Testes com veículos pequenos, para 15 pessoas, são feitos desde 2014 em ambientes fechados, como universidades.
Ao longo de 2018, eles passaram a ser avaliados em cidades como Verdum e Estrasburgo, na França, Babcock Ranch, nos EUA, e Sydney, na Austrália.
Testes
Segundo empresas do setor, a expectativa é que a tecnologia possa reduzir custos (menos salários a pagar) e aumentar a segurança e o conforto (por evitar falhas humanas) e, assim, atrair mais passageiros.
Sydney realiza testes com micro-ônibus autônomos em seu parque olímpico desde 2017. Em setembro de 2018, eles passaram a levar passageiros no Boulevard Olímpico, em viagens de até 40 km/h.
Em fevereiro de 2019, a cidade australiana anunciou uma convocatória para empresas que queiram operar linhas regulares com veículos autônomos grandes, com ao menos 40 assentos, a partir de 2022.
Também em fevereiro, Estocolmo, na Suécia, anunciou que pretende usar coletivos sem motoristas em um trajeto de 5 km a partir de 2020. O percurso será feito em faixas exclusivas e terá um motorista a bordo, para entrar em ação caso necessário.
Em março, Singapura iniciou testes com um modelo capaz de levar 80 pessoas. Os veículos começaram a rodar primeiro dentro da universidade e, depois, serão avaliados nas ruas.
Os modelos autônomos são guiados por softwares e se movem com base em informações de sensores e câmeras, que indicam o que está ao redor, e de redes sem fio, que permitem controlar o veículo remotamente e alterar a rota para desviar do trânsito, por exemplo.
Segundo os fabricantes, os autônomos devem ganhar espaço primeiro em ambientes fechados, como aeroportos. Depois, irão para linhas que circulam em corredores. A última etapa será enfrentar o trânsito ao lado dos carros.
As empresas dizem que a tecnologia já está pronta para uso, mas ainda precisa ser testada em ambientes reais.
O avanço desse processo depende da recepção de governos e passageiros. Os pontos mais sensíveis são a sensação de segurança e o corte de empregos.
Nos EUA, um programa piloto com micro-ônibus que levavam crianças a escolas na Flórida foi suspenso em 2018 por um órgão federal, mesmo sem ter sido registrado acidentes.
Depois de três cidades de Ohio iniciaram testes, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Transporte dos EUA iniciou uma campanha contra os veículos autônomos.
"Esses caras ricos querem retirar os condutores para fazer mais dinheiro, sem nenhum benefício extra para os passageiros", disse John Samuelsen, presidente do sindicato.
Samuelsen defende que os humanos são mais preparados para reagir a imprevistos. Mas as empresas argumentam que a tecnologia também avança nesse tipo de reação.
"Sistemas de reconhecimento de imagem hoje são capazes de detectar situações como um assalto a bordo e avisar a polícia", diz Ubiratan Resende, diretor-geral no Brasil da Via Technologies, empresa de Taiwan que testa ônibus sem condutor na China.
No Brasil
Para Resende, estes veículos deverão ganhar as ruas pelo mundo num prazo de três a cinco anos. "No Brasil, podem chegar dentro de dez anos."
A adoção de ônibus autônomos depende também de melhora na estrutura das vias, da qualidade do sinal de internet e de novas regulamentações para a atribuição de responsabilidades em caso de acidentes, por exemplo.
"Para debater mudanças na lei, é preciso primeiro que haja interessados em investir nessa área. O primeiro passo é convencer os empresários", diz Vander Costa, presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
As montadoras oferecem no Brasil tecnologias para os ônibus atuais que vão limitando as possibilidades de o motorista cometer imprudências.
"Já temos sistemas capazes de limitar a velocidade de acordo com a via, por GPS. Se o limite da rua é 30 km/h, o veículo não vai acelerar além disso", explica Fabiano Todeschini, presidente da Volvo Buses América Latina.
Outras ferramentas são alertas em caso de freadas ou curvas bruscas e dispositivos que despertam o condutor caso ele aja de modo sonolento.
Por enquanto, os ônibus só apitam sozinhos para chamar a atenção do motorista.
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