Engenheiro ambiental pela PUC/PR, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPr e Especialista em Transporte Terreste pela UPM Universidad Politécnica de Madri, Ivo Reck Neto é um pesquisador e especialista em eficiência energética para o transporte urbano. Ciclista, ativista ambiental, Reck Neto atua hoje como chefe de gabinete do Deputado Estadual Goura (PDT), do Paraná. Nesta entrevista, concedida por telefone, ele explica que os automóveis são máquinas de baixa eficiência e justifica porque devem ser afastados do meio urbano. Como solução, o engenheiro defende políticas públicas que dêem total prioridade ao transporte público e aos meios ativos, a pé e por bicicleta
Como surgiu o interesse pela área de transporte?
Vários fatores me levaram a esse tema. Minha família é grande, de classe média. Então, tínhamos que compartilhar tudo: a mesa, o quarto, o bagageiro do carro e até as roupas. Não havia seis bicicletas. E eu fui apreendendo a compartilhar a vida com meus irmãos. Tivemos uma iniciação também em casa: minha mãe é bióloga e professora do estado, meu pai é professor de planejamento de transporte.
Então, seu aprendizado começou bem antes da escola...
A própria cidade me ensinou muita coisa. O fato de viver em Curitiba, que foi uma cidade de referência em planejamento urbano, me fez entender que o transporte é uma necessidade humana permanente. Mesmo que hoje se fale em trabalho remoto, em não-mobilidade, entendo que as pessoas precisam conviver, precisam se encontrar. Como dizia Jane Jacobs, a própria segurança da cidade se dá na convivência das pessoas, nas ruas, nas praças, nos locais públicos. Daí, a mobilidade ser um fator básico para a vida urbana.
Por que não o transporte motorizado individual?
Minha família tinha só um carro. Eramos seis filhos e oito pessoas e então era impossível que todos pudessem usar o mesmo veículo. Por isso aprendemos bem cedo a usar o transporte público. Hoje há até quem oriente seus filhos a andar de ônibus, mas eu aprendi a andar de ônibus com 8 ou 9 anos de idade de uma forma quase natural. Os pais orientavam e a gente seguia até a escola. Eu considero uma felicidade ter crescido com essa influência boa.
E você usa carros no seu dia-a-dia?
Sim, uso, mas procuro fazer isso de uma forma racional. Eu me sinto desconfortável dentro de um automóvel. Ele ocupa um espaço de 12 metros quadrados e carrega mais de uma tonelada de materiais para transportar pessoas que pesam apenas 80 kg. Curitiba tem cada vez mais carros e mais problemas de saúde gerados por essa opção. Hoje há menos gente usando o transporte público, o que faz com que a tarifa seja uma das mais altas do Brasil (R$ 4,50). É um ciclo vicioso: mais carros pioram o trânsito e dificultam a circulação dos ônibus, que ficam presos nos congestionamentos. Com isso, a eficiência do sistema - mesmo com os corredores exclusivos - tende a cair: os ônibus gastam mais combustível, emitem mais poluentes e, do ponto de vista do passageiro, demoram mais a chegar aos locais. Daí, mais gente migra para os carros, aumentando o travamento do trânsito...
Isso explica porque tanta gente migrou para o carro?
Há o lado individual, de afirmação pessoal: a pessoa se sente mais autônoma, sai do edifício, entra no carro, ganha conforto, exclusividade. E tem uma propriedade, um patrimônio, embora se saiba que hoje os carros desvalorizem muito rapidamente e não possam ser considerados investimentos. Mas esses conceitos, que foram veiculados durante todo o século 20, ainda influenciam a decisão de muita gente.
E em relação à eficiência, como você vê o uso do carro?
Vende-se a imagem de agilidade, flexibilidade e tecnologia. Mas, a rigor, é um carro queimando combustível: ou seja, ainda estamos usando veículos que são propulsionados por uma espécie de fogueira móvel, como eram as locomotivas a vapor do século 19. Nos carros, a maior parte da energia do combustível gera calor e parte da energia também é gasta para resfriar os motores. Isso é um desperdício enorme de energia.A frota brasileira é feita de veículos a combustão. São mais de noventa milhões de veículos, a maioria usando combustível de petróleo. Esse mesmo petróleo, se fosse enviado para uma usina de energia elétrica, resultaria em uma transformação de energia muito mais eficiente e limpa.
É possível quantificar isso?
Sim. Por exemplo, uma certa quantidade de petróleo em um carro leva o veículo de Curitiba a Brasília, percorrendo cerca de 1.400 km. Se esse mesmo óleo fosse alimentar uma central elétrica, a energia gerada poderia levar um carro elétrico de Curitiba a Manaus. Isso porque os geradores de uma termelétrica são mais eficientes do que o de qualquer carro e também porque um veículo elétrico tem eficiência muito superior. Se você for discutir seriamente a matriz energética do país, o caminho é evitar essa multiplicação de pequenos motores a combustão.
CONSUMO DE ENERGIA POR MODO*
E se a pessoa andar de ônibus?
O passageiro do ônibus consome 1/8 da energia consumida por uma pessoa sozinha em um carro. Isso porque os carros carregam em média de 1,3 a 1,4 pessoa. Mas, mesmo no ônibus a eficiência vai depender da lotação do veículo. Um biarticulado faz, em média, 2 km por litro de óleo diesel. Com 160 pessoas a bordo, ele é bem eficiente. Mas se estiver vazio, é um desperdício. Então, o sistema de ônibus precisa ter prioridade, faixa exclusiva e semáforos sempre abertos, a chamada "onda verde" para ser bem eficiente. Com esses recursos, o ônibus circula mais rapidamente, passa nos horários previstos, gasta menos combustível e, pela qualidade do serviço, atrai mais passageiros. Se é para queimar, a solução é usar o transporte coletivo. Mas acredito que a opção pelo ônibus elétrico é essencial e deveria ser estimulada para já. Ônibus elétricos confortáveis e dotados de ar-condicionado irão atrair mais passageiros, reduzindo a poluição o calor e o ruído urbano.
E o chamado transporte ativo? Qual é o nível de eficiência de quem caminha ou pedala?
O ciclistas consomem 1/24 da energia que seria gasta pela mesma pessoa dentro de um carro. E isso sem considerar a energia que é consumida na fabricação do carro e da bicicleta. Então, a bicicleta é muito mais eficiente para distâncias em torno de 5 km, que são as viagens mais comuns no meio urbano. Para distâncias mais curtas, até 2 km, é melhor a pessoa ir a pé. Mas, o ciclista consome até menos energia (em kJ) do que o pedestre, porque tira proveito da inércia de movimento e da gravidade, nas descidas.
O que você acha dessa onda de bicicletas elétricas?
Já usei esse tipo de bike. É uma boa solução, mas é necessário ter regulações para evitar conflitos com pedestres, especialmente com deficientes visuais e com outros ciclistas. Até mesmo as pessoas com idade avançada passaram a pedalar pela ajuda da bicicleta motorizada. O consumo de energia é relativamente baixo e é possível carregar uma vez por semana apenas. Como é fácil de conduzir e de estacionar, a bicicleta elétrica atrai o motorista...
"Acho que a chave do problema é a priorização ao transporte público. Isso geraria um ciclo virtuoso positivo para a mobilidade urbana e melhoraria até a condição para a circulação do carro, quando realmente for necessário usá-lo"
Se você fosse o responsável pelas políticas públicas na área de mobilidade urbana quais seriam suas propostas?
Sem dúvida, eu faria uma política para desestimular o uso do carro, mesmo o elétrico, porque ele também ocupa muito espaço e gera congestionamentos. Em contrapartida, criaria mecanismos para que as pessoas passassem a usar mais o transporte coletivo. Tentaria fidelizar o usuário, com mais ônibus, mais pessoas nos ônibus e mais conforto. Buscaria mecanismos de subsídio para reduzir as tarifas e integraria os vários modais de transporte, incluindo bicicletas e, claro, estímulos ao caminhar. Mas acho que a chave do problema é a priorização ao transporte público. Isso geraria um ciclo virtuoso positivo para a mobilidade urbana e melhoraria até a condição para a circulação do carro, quando realmente for necessário usá-lo.
Leia o artigo de Ivo Reck Neto sobre sua pesquisa Uma análise do consumo de energia na mobilidade urbana de Curitiba
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