O estudante de arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) Luan Rusvell é piauiense de Teresina, ciclista membro da União dos Ciclistas do Brasil (UCB) e ativista pelo Direito à Cidade. Desde 2015 ele colabora com o Mobilize com artigos que denunciam as obras rodoviaristas construídas pelo poder público, o corte de árvores na dita "cidade verde", e os movimentos de ocupação de praças e espaços públicos pela população.
No momento, Luan realiza na cidade os levantamentos da Campanha Calçadas do Brasil 2019. Além de Luan, participam ainda das avaliações em Teresina Francisco Wesley Marques Brandão e a professora Nícia Bezerra Formiga Leite, que coordena um grupo de alunos seus da disciplina de Acessibilidade na Universidade Federal do Piauí.
Luan revela nesta entrevista como a falta de passeios bem executados e arborizados, acessíveis e confortáveis, afeta o caminhar das pessoas em uma cidade tão quente como a dele.
Como está a cidade de Teresina em relação à possibilidade de uma pessoa caminhar ou circular com uma cadeira de rodas?
A realidade hoje em Teresina é que as calçadas são utilizadas pelos carros e não por pedestres. Não há respeito pela regulamentação que institui a Lei das Calçadas e a maioria do espaço que deveria servir ao pedestre é usado como estacionamento. Embora eu perceba que a cidade é minimamente sensível à acessibilidade, principalmente pela instalação de rampas em pontos estratégicos, essa infraestrutura acaba subutilizada, porque são exemplos isolados em meio a uma série de erros e desrespeitos. Ou seja, embora uma calçada tenha uma rampa na esquina, instalada tanto pelo setor público como o privado, em geral o piso está quebrado, tem um carro estacionado em cima, ou o rebaixo da rampa acaba virando uma poça de água.
Mas a grande campeã de reclamação para quem caminha na cidade é a falta de conforto. Estamos em uma cidade bastante quente e o que mais influencia se uma pessoa vai caminhar ou pegar um carro para ir até seu destino é o quanto está quente e se há possibilidade de fazer um percurso pela sombra. E isso não é nenhuma novidade. Há unanimidade entre os habitantes daqui de que todos queremos mais árvores na cidade, e isto tem sido uma pauta frequente nos movimentos sociais locais. Mas a Prefeitura parece ignorar isso. e calçadas sem arborização ou qualquer tipo de proteção ao sol é o padrão em Teresina. Por aqui dizemos que quem decide sobre a cidade nunca caminhou no "pingo do meio dia" e por isso não sabe a realidade.
Embora exista a Lei das Calçadas, que foi aprovada há alguns anos, não percebi ainda uma mudança na prática. Cada um "reforma" sua calçada como bem entende. Havia até uma a cartilha explicativa, mas como por mistério ela foi retirada do site da prefeitura também já faz tempo. Então, calçada vira um tabu aqui em Teresina.
Carros nas calçadas: problema crônico na capital do Piauí Foto: Luan Rusvell
Há algum plano ou programa para melhoria de calçadas, sinalização e equipamentos de apoio para a mobilidade a pé?
Bom, se há eu desconheço, e se eu desconheço então não é algo que esteja sendo discutido ou que foi apresentado publicamente. Existe uma grande pressão popular por mais espaço para o pedestre, e no entanto isso ainda não se refletiu em práticas. Exigimos o mínimo, que é a fiscalização da Strans (Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito) aos motoristas que estacionam nas calçadas, mas não há um retorno eficiente.
Por que você resolveu "adotar" a Campanha Calçadas do Brasil?
Vejo que a Campanha é uma oportunidade de denunciar a difícil realidade da minha cidade. Serve como um momento de repercutir nacionalmente algo que há muito tempo falamos por aqui e que não é escutado. Além disso, creio que o principal é contribuir para uma cultura do caminhar e fortalecer uma rede de pessoas e grupos que lutam por essa causa. Teresina é uma cidade com grande número de pessoas com algum tipo de limitação física, por exemplo, por isso entendo que uma calçada é um elemento de inclusão social.
Como foram selecionados os locais a serem avaliados? Foi uma decisão individual ou coletiva?
A decisão sobre os locais veio de conversas com amigos, de pessoas que se preocupam com a cidade. Pensamos em lugares onde o acesso deve ser priorizado para quem chega a pé, como universidades, escolas, terminais de ônibus, hospitais e centros culturais; prédios públicos, principalmente.
Quando as avaliações começaram a ser feitas? Há ideia de ampliar essa avaliação?
As avaliações foram realizadas entre agosto e setembro de 2018. Essa primeira avaliação foi finalizada, mas continuo fotografando calçadas na cidade. Espero receber o resultado nacional da pesquisa para então poder efetivar um grupo de pesquisa aqui em Teresina e fazer esse acompanhamento anualmente. É um tema de interesse pessoal meu e de outros colegas que pesquisam e são envolvidos com o tema.
Como você avaliou os formulários da Campanha? Tem alguma crítica ou sugestão a fazer quanto aos critérios adotados?
Acrescentaria um item: conforto térmico, onde seria avaliada a nossa sensação à temperatura ao caminhar por cada local. Poderia ser avaliado tomando em conta a arborização existente ou o sombreamento por prédios, marquises etc. Como disse, esse é um ponto muito relevante para nós que moramos em cidades quentes.
O que espera obter como produto final nesta Campanha? Há algum plano que preveja soluções aos problemas encontrados?
Após a finalização das avaliações, espero gerar um relatório com os dados obtidos, para entregar à Prefeitura e ao Ministério Público como forma de cobrar melhorias urbanas. Também poderemos utilizar este levantamento como fonte de pesquisa em estudos relativos ao tema. Talvez fosse interessante criar algum tipo de ranking ou comparativo com outras cidades brasileiras pesquisadas.
Veja na galeria algumas fotos de calçadas de Teresina tiradas por Luan Rusvell.
*Participam das avaliações em Teresina, além de Luan Rusvell, Francisco Wesley Marques Brandão, a professora Nícia Bezerra Formiga Leite e seus alunos da disciplina de Acessibilidade da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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