Novas tarifas de transportes públicos marcaram o início do ano de 2019 em todo o Brasil. E em muitas cidades os reajustes superaram - de longe - a inflação dos últimos doze meses. É o caso de São Paulo, onde o aumento passou de 7% e corresponde ao dobro da inflação. Ou Aracaju, onde a prefeitura elevou a tarifa de R$ 3,50 para R$ 4, um aumento de 14,2%.
Na capital sergipana, que agora tem a mais alta tarifa do Nordeste, uma pessoa que use o transporte duas vezes por dia durante o mês gastará cerca de R$ 240, quase 1/4 da renda média mensal de R$ 1.022,00, segundo a pesquisa anual do IBGE. Como se trata de renda média, o impacto desse valor é muito maior para as famílias de baixa renda, que ficam quase impedidas de utilizar o transporte "público".
A constatação, em maior ou menor grau, vale para a maioria da cidades do país, como Curitiba e Londrina (R$ 4,25), Florianópolis e Recife (R$ 4,40), Belo Horizonte (R$ 4,05), Uberaba (R$ 3,80), Manaus (R$ 3,80) e São José dos Campos (R$ 4,30).
Os valores parecem modestos quando comparados com os preços de transportes públicos na Europa e Estados Unidos, que chegam até a cinco vezes mais do que as tarifas do Brasil. Mas, não é o que parece.
No mundo
Para jogar luz sobre a questão, o Mobilize realizou um pequeno estudo comparativo entre a tarifa básica do transporte e a renda média em algumas cidades do Brasil e do mundo e notamos que o bilhete diário para ir e vir pesa bem mais no orçamento do brasileiro. Consideramos a tarifa básica como referência, salvo nas cidades onde o valor é variável, como em Xangai, na China, ou em Belo Horizonte (MG). Nestes casos, tomamos o valor médio. Para o cálculo do valor mensal, computamos duas viagens diárias por 30 dias, incluindo saídas nos finais de semana.
Vejamos a região metropolitana de Nova York, por exemplo, com população de 18,2 milhões e área urbanizada de 8.683 km². Lá, o preço do bilhete básico do metrô está em US$ 2,75 e renda média mensal gira em torno de US$ 5.378, conforme dados de 2017. Assim, o transporte leva cerca de 3% do orçamento do novaiorquino. Se tomarmos o exemplo de Xangai, com área total de 6.340 km² e população de 23,4 milhões, com renda média mensal de US$ 771 (2017) e bilhete médio de US$ 0,59, o transporte pesa 2,92% no orçamento.
Em São Paulo, com 7.946,96 km² e população de 21,5 milhões em sua região metropolitana, a tarifa básica de R$ 4,30 pesa mais de 12% para o paulistano que receba a renda média mensal de R$ 2.124. Para os milhões de pessoas que ganham bem menos do que isso, o transporte se torna quase inacessível, dificultando até a busca de emprego ou a ida a um posto médico.
Tarifa, gasto mensal, renda média e peso do transporte no orçamento
Cidade
|
Tarifa básica (US$)
|
Gasto mensal (US$)
|
Renda média mensal (US$)
|
Peso do transporte no orçamento mensal (%)
|
|
|
|
|
|
Shenzhen
|
0,39
|
23,40
|
1.204,87
|
1,94%
|
México
|
0,26
|
15,60
|
621,10
|
2,51%
|
Los Angeles
|
1,75
|
105,00
|
3.829,39
|
2,74%
|
Pequim
|
0,59
|
35,40
|
1.250,97
|
2,83%
|
Xangai
|
0,59
|
35,40
|
1.210,64
|
2,92%
|
Nova York
|
2,75
|
165,00
|
5.407,83
|
3,05%
|
Washington
|
2,75
|
165,00
|
4.758,60
|
3,47%
|
Buenos Aires
|
0,35
|
21,00
|
580,78
|
3,62%
|
Tóquio
|
1,84
|
110,40
|
2.969,52
|
3,72%
|
Kuala Lumpur
|
0,73
|
43,80
|
1.025,76
|
4,27%
|
Moscou
|
0,75
|
45,00
|
958,99
|
4,69%
|
Paris
|
2,18
|
130,80
|
2.544,21
|
5,14%
|
Bern
|
4,27
|
256,20
|
4.874,48
|
5,26%
|
Melbourne
|
3,09
|
185,40
|
3.148,28
|
5,89%
|
Londres
|
3,21
|
192,60
|
3.229,76
|
5,96%
|
Madri
|
1,72
|
103,20
|
1.649,81
|
6,26%
|
Roma
|
1,72
|
103,20
|
1.590,34
|
6,49%
|
Copenhague
|
3,69
|
221,40
|
3.323,38
|
6,66%
|
Montreal
|
2,45
|
147,00
|
2.167,03
|
6,78%
|
Amsterdã
|
3,44
|
206,40
|
2.989,64
|
6,90%
|
Santiago
|
1,07
|
64,20
|
824,43
|
7,79%
|
Berlim
|
3,22
|
193,20
|
2.427,91
|
7,96%
|
Lisboa
|
1,71
|
102,60
|
994,28
|
10,32%
|
Brasília
|
1,36
|
81,60
|
687,39
|
11,87%
|
Rio de Janeiro
|
1,06
|
63,60
|
525,67
|
12,10%
|
São Paulo
|
1,16
|
69,60
|
567,45
|
12,27%
|
Medelin
|
0,70
|
42,00
|
331,08
|
12,69%
|
Salvador
|
1,00
|
60,00
|
437,62
|
13,71%
|
Porto Alegre
|
1,16
|
69,60
|
502,46
|
13,85%
|
Curitiba
|
1,15
|
69,00
|
452,56
|
15,25%
|
Florianópolis
|
1,13
|
67,80
|
434,53
|
15,60%
|
Recife
|
0,87
|
52,20
|
329,90
|
15,82%
|
Belo Horizonte
|
1,22
|
73,20
|
438,79
|
16,68%
|
Fontes: 1) IBGE (https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=resultados) 2) Numbeo (https://www.numbeo.com/cost-of-living/) 3) Statista (https://www.statista.com/topics/768/cost-of-living/) 4) Prefeituras e companhias de transporte das cidades Nota: foram consideradas as tarifas básicas do sistema de transportes aferidas em cada cidade no mês de janeiro de 2019. Para o cálculo do gasto mensal com transporte, foram computadas duas viagens diárias durante 30 dias por mês. Os dados de renda média mensal de cidades brasileiras foram obtidos da pesquisa Pnad/IBGE de 2017. Os das cidades estrangeiras foram compilados dos sites Numbeo e Statista.
|
O gráfico e a tabela talvez expliquem porque os brasileiros estão preferindo usar aplicativos de carros compartilhados, motocicletas, bicicletas e carros próprios em vez do ônibus. Há que lembrar ainda que boa parte dos ônibus urbanos, terminais e pontos de espera não oferecem um mínimo de conforto e segurança para seus clientes, que pagam muito, viajam apertados e perdem muito tempo na espera e nas viagens cotidianas. Esse composto perverso talvez explique também porque os ônibus são um dos alvos preferidos dos criminosos que desejam afrontar o poder público.
Está aí um belo desafio para os novos governos de Brasília e dos estados. Transparência nos custos e subsídio são as palavras-chave para desatar esse nó.
*Colaboraram: Regina Rocha e Marília Hildebrand
Leia também:
NTU defende aumento na gasolina para subsidiar transporte público
Cinco pontos para melhorar o transporte público no Brasil
Transporte em SP: mais caro e sem melhorias
Lotação no transporte, maior problema de quem anda com criança
Problemas do transporte público já somam mais de 150 anos
Apps do tipo "juntos" podem destruir o transporte público?