Um estudo conduzido na Universidade de Oxford pelo pesquisador brasileiro Rafael Pereira mediu quem ganhou com as obras e investimentos bilionários feitos em transporte na cidade do Rio de Janeiro em termos de acesso e mobilidade.
Segundo a pesquisa, a promessa de melhorar radicalmente o transporte público da cidade do Rio de Janeiro depois da Copa e da Olimpíada não foi cumprida.
Apesar de o estudo indicar que todos foram beneficiados de alguma forma com os cerca de US$ 6 bilhões investidos na mobilidade urbana, os benefícios para a população pobre, em termos de acesso, foram menores quando comparados à parcela mais rica da capital fluminense.
Rafael Pereira: 'Os mais pobres são os que menos ganharam'. Foto: Valéria Gelman/Cortesia
"Mesmo com os novos investimentos, as condições de transporte no Rio pioraram entre 2014 e 2017 devido à reorganização dos serviços de ônibus e a crise econômica que atingiu o Rio após 2016. Os mais prejudicados foram as pessoas de mais baixa renda, dos bairros periféricos, que já eram os que menos ganharam acessibilidade com as obras e os investimentos", atesta o pesquisador, que transformou o legado do transporte urbano após os grandes eventos no Rio em tema de tese de doutorado em Oxford, na Inglaterra.
"Se não tivesse havido crise, os investimentos poderiam ter aumentado o acesso da população a oportunidades, mas ainda assim os ganhos de acessibilidade seriam maiores para população de média e alta renda", completa, explicando que, em um curto prazo, a crise econômica anulou os efeitos positivos do legado dos megaeventos para o transporte.
Tempo de deslocamento
Não só o acesso aos locais onde houve eventos foram analisados na pesquisa, mas toda a infraestrutura de transporte existente em 2014 e em 2017. Pereira também cruzou dados como a localização de todas as escolas, hospitais e postos de trabalho do Rio com a malha viária, trajetos e horários de todas as linhas de ônibus da cidade, além da renda média da população de cada região.
"Queria saber quantas pessoas chegariam em determinado hospital, escola e vagas de trabalho em até uma hora e quem eram essas pessoas, em termos de renda", explicou o pesquisador.
Ele aplicou a mesma tecnologia usada pelos mapas da Google (GTFS) para calcular o tempo de deslocamento de porta a porta a cada 20 minutos, no período entre as 7h e as 19h. O banco de dados era tão grande que foi preciso usar o servidor do Departamento de Geografia de Oxford, já que o computador pessoal do pesquisador não tinha capacidade para cruzar tantos dados ao mesmo tempo.
No caso do Rio, para mensurar o efeito que havia antes e comparar com o que houve depois dos eventos, Pereira usou um modelo matemático para isolar o impacto da crise econômica que, segundo ele, normalmente faz com que as empresas de ônibus demitam, reduzam frotas e reorganizem horários e linhas diante da queda do número de passageiros provocada pelo desemprego e recessão.
Diferença
O estudo mostra que em 2014 o nível de acesso a postos de trabalho com deslocamento de até uma hora era 84% maior para os 20% mais ricos quando comparado aos 20% mais pobres do Rio. Em 2017, essa diferença aumentou para 116%. Se não houvesse a crise, seria 92% maior para os com a renda mais alta.
Entre 2014 e 2017 o número de empregos e a quantidade de escolas públicas acessíveis para população em deslocamentos de até uma hora caíram cerca 4,5% e 6%, respectivamente. "Essa queda foi ainda maior para bairros de mais baixa renda", diz o pesquisador.
Por outro lado, o acesso a unidades de saúde já era razoavelmente bom antes dos jogos: cerca de 95% da população do Rio consegue chegar em até uma hora de transporte coletivo ou a pé a pelo menos um hospital de alta complexidade. Mas, se a análise levar em conta um deslocamento de 30 minutos, esse número cai para 73%.
Ao comparar o tempo de deslocamento em 2014 e em 2017, contudo, houve um aumento do tempo para acessar hospitais que variou entre 1,5% a 7,5%, a depender do grau de complexidade da unidade de saúde. Segundo o pesquisador, isso aconteceu por causa da reorganização das linhas.
"A conclusão é que o legado dos megaeventos (para o transporte) foi maior para as classes média e alta, aumentando a desigualdade de acesso a oportunidades", assinala o Rafael Pereira.
Dificuldades na vida diária
Roberto Santos, de 48 anos, sente todos os dias o os efeitos do que é indicado pelas estatísticas do estudo conduzido Oxford. Desde 2005 morando no bairro de Santo Cristo, na zona portuária no centro do Rio, Santos diz que o deslocamento ficou mais complicado e demorado, em especial no fim da noite e na madrugada.
Ele estuda à noite na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e conta que voltar tarde da universidade é sempre complicado. Antes, diz ele, com um único ônibus chegava em casa. Agora, precisa ir até a Central do Brasil - e, a depender do horário, volta a pé.
"De um modo geral os grandes eventos não trouxeram benefícios para quem mais precisa. O grande legado é um transporte ineficaz, mesmo pra quem mora na região mais central. Com a crise, então, piorou para quem, como eu, mora em Santo Cristo, ou na Gamboa e na Saúde e depende de transporte público. Concordo em gênero, número e grau com esse pesquisador. Os mais pobres são os que menos ganham e os que mais perderam, é exatamente o que está acontecendo", diz Santos, que também é pesquisador e atua como líder comunitário.
Santos diz que a mobilidade piorou desde que começaram as obras para recuperar a zona portuária, ainda em 2009, com remanejamento de linhas e rotas. Mas, para ele, as novas opções de transporte como o VLT (Veículo Leve sob Trilhos) no centro do Rio "sempre foi um meio de transporte mais pensado para os turistas que para os moradores locais".
Ele reclama ainda que a população nunca é consultada sobre as decisões de criar e mudar linhas e rotas de ônibus.
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), um dos principais projetos de mobilidade no Rio. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Veja a reportagem completa na página da BBC.
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