Neste mês, parece que o Brasil se desconectou do mundo em função das eleições. Mais que discutir as propostas políticas de cada candidato, estamos em um processo perigoso de polarização extrema. Minha proposta hoje é deixarmos de lado a questão ideológica e discutirmos o problema da mobilidade urbana analisando alguns casos mundiais de sucesso. Topa?
Alguns já devem estar se perguntando: "mas a mobilidade não seria um tema mais municipal que nacional?". Sim e não!
Sim, porque os principais sintomas deste problema, como trânsito e poluição, influenciam diretamente a qualidade de vidas nas cidades. Por outro lado, não, porque as possíveis soluções para esse problema podem sim vir de políticas nacionais.
Nesta semana eu lembrei da minha época de escola técnica no Rio de Janeiro, na qual bastava colocar o jaleco da instituição, que eu poderia entrar pela porta da frente do ônibus. Bons tempos... O que você acharia se esse direito fosse estendido a todos os residentes da cidade? Isso mesmo! Sabia que já existem cidades e até países testando esse modelo?
Estônia
Conhecemos bem pouco no Brasil um país europeu chamado Estônia. Localizado na região nordeste da Europa (mais ou menos onde seria a Paraíba para o Brasil), a Estônia fez parte do bloco soviético até 1991. Embora bem pequeno, com cerca de 1,3 milhão de habitantes, o país vem se destacando mundialmente pela sua gestão pública considerada disruptiva.
Um dos casos de maior sucesso deles é a adoção do modelo de transporte público gratuito para todos os residentes. O primeiro projeto de transporte gratuito foi realizado na capital Talin, em 2013, depois da aprovação de mais de 75% da população em um referendo público.
Para ter direito ao benefício, o cidadão precisa estar registrado como residente da capital e pagar uma taxa única inicial de 2 euros (10 reais) para emissão do seu passe livre, chamado lá de Green Card. Qualquer residente, de qualquer idade, acessando o transporte gratuito 24 horas por dia, sete dias por semana! Parece um sonho?
Os principais argumentos para defender esse modelo são: facilitar o acesso ao transporte público para as pessoas de baixa renda e encorajar as pessoas de alta renda a usarem menos seus carros, ajudando a diminuir o trânsito e a poluição nas cidades.
E não acaba aqui. Teoricamente, o fato de haver mais pessoas transitando pelas ruas (e fora de seus veículos) pode gerar um fluxo maior de negócios para o comércio local, ajudando a economia da cidade como um todo.
Quem paga?
Mas ter transporte público gratuito não significa que ninguém deve pagar a conta! Para vocês terem uma ideia, o custo de um bilhete mensal de transporte público em capitais europeias pode passar de 200 euros (1.000 reais), como no caso de Londres. O programa custa em torno de 12 milhões de euros (cerca de R$ 60 milhões) anuais para a cidade, que não criou nenhum imposto ou taxa nova para custear o programa de transporte gratuito.
O governo está tão confiante no sucesso deste modelo, que em julho deste ano começou a ampliar o programa nacionalmente. Se Talin foi a primeira capital europeia com transporte gratuito, agora a Estônia quer ser o primeiro país do mundo a adotar esse modelo.
Mas nem tudo são flores: uma pesquisa conduzida pela Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, constatou que os resultados durante o primeiro ano do programa não foram tão positivos como se esperava. Eles indicaram que sim, houve um aumento de 14% no uso dos transportes públicos, mas que não indicou necessariamente uma maior utilização pelas pessoas de baixa renda.
E mais: houve uma diminuição de 10% nas viagens de carro, entretanto, também ocorreu um aumento nas distâncias percorridas. Por fim, a conclusão foi de que o aumento do uso do transporte público veio principalmente de viagens extras feitas por pessoas que já usavam o sistema e de pessoas que faziam os percursos a pé e passaram a usar mais o transporte; o que à primeira vista parece negativo.
Contudo, trata-se de um processo de mudança de hábitos e de mentalidade social, portanto, é normal que os resultados reflitam isso melhor no médio e longo prazo.
Europa
A Estônia não está sozinha neste movimento de transporte gratuito para todos. Diversas cidades aqui na Europa também estão testando o modelo. Na Alemanha, Tübingen e outras quatro cidades experimentarão esquemas gratuitos de transporte público até o final de 2018. A motivação lá é a redução dos índices de poluição do ar, até porque as penalidades na Europa por poluição são altíssimas. A Polônia lidera a lista de países europeus com 30 cidades. Suécia, Romênia, Grécia, Inglaterra, Rússia, França e Itália também têm projetos em andamento.
De fato, esse é um movimento mundial. De acordo com o site Free Public Transportation, aproximadamente 130 cidades, em 30 países, estão testando o modelo.
Baseados neles, separamos abaixo a lista completa das 13 cidades que oferecem essa política no Brasil, mostrando desde quando o benefício pode ser acessado pelos cidadãos:
Paraná: Pitanga (32 mil habitantes) desde 2012; Ivaiporã (31.000 hab.) desde 2003.
Rio de Janeiro: Porto Real (18 mil hab) desde 2012; Maricá (153 mil hab.) desde 2013; Silva Jardim (22 mil hab.) desde 2014.
São Paulo: Potirendaba (15 mil hab.) desde 1998; Paulínia (102 mil hab.) desde 2012; Agudos (36 mil hab.) desde 2003.
Minas Gerais: Itatiaiuçu (10 mil hab.) desde 2015; Monte Carmelo (48 mil hab.) desde 1994; Muzambinho (21 mil hab.) desde 2013.
Ceará: Eusébio (52 mil hab.) desde 2009.
Goiás: Anicuns (32 mil hab.) desde 2008.
O que você acha da ideia de transporte gratuito para todos? Funcionaria na sua cidade? Opine, pergunte, se manifeste...
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