No meio da calçada tinha uma árvore. Ou um poste, um monte de entulhos, piso quebrado, desníveis no solo, mato alto, terra batida... ou todas essas irregularidades juntas. Às vezes então a calçada correta, a que deveria estar lá, nem sequer existe.
Essa é a realidade que os pedestres de Ribeirão Preto (SP) enfrentam, inclusive com desrespeito aos locais exclusivos para suas travessias. Somente este ano, de janeiro a junho, foram 1.361 notificações emitidas pela Prefeitura cobrando providências dos proprietários dos terrenos, segundo a lei os responsáveis pela manutenção do passeio público.
Em média, foram oito notificações ao dia, o dobro em relação ao ano passado, que teve quatro notificações diárias. A multa pode chegar a R$ 1, 5 mil reais. Em muitas situações, porém, é o próprio poder público que desrespeita a legislação.
Nesta quarta-feira (25), a partir das 18h, a Prefeitura realizará audiência pública para tratar especificamente sobre calçadas e acessibilidade. O objetivo é atualizar o Código de Obras, padronizar exigências, aumentar a fiscalização e deixar, no próximo Plano de Mobilidade, os pedestres como prioridade, como determina a lei. A audiência será na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (Aeaarp).
Segundo o secretário de Planejamento, Edson Ortega, será necessário à cidade "ter um plano de ação, com metas, prazos e trechos prioritários para a adequação das calçadas".
Viagens a pé
Em Ribeirão, segundo estimativas da Prefeitura, 22% das viagens urbanas são feitas a pé. Ou seja: os pedestres são responsáveis por um a cada cinco deslocamentos no município.
A Secretaria de Obras vem realizando um levantamento do estado de conservação das calçadas, que no município correspondem a 3 mil km de vias. A equipe de reportagem do jornal Cidade percorreu Ribeirão de norte a sul e constatou, em praticamente todos os bairros, irregularidades.
Segundo Ortega, a regra prevista no Código de Obras é que as calçadas tenham 1,20 m de passagem livre ao pedestre (em casos específicos, essa medida pode variar).
Entulho e material de obra bloqueiam o caminho do pedestre; assunto de audiência em Ribeirão Preto. Foto: Weber Sian/A Cidade
"As calçadas estão na entrada das casas, mas são do povo", ensina a professora aposentada Elisabeth Martha Castanho, de 73 anos. Ela caminha, diariamente, entre 30 minutos e uma hora, e precisa driblar as irregularidades. "Já vi gente tropeçar e cair", diz.
Há um ano e meio, a jornalista Daniela Antunes trocou o carro pelas pernas. Vendeu o automóvel e passou a voltar do trabalho a pé, percorrendo uma distância aproximada de 2,5 km. Apesar das dificuldades no trajeto pelas calçadas irregulares, não se arrepende.
"A pé, você vê mais gente, tem a sensação de liberdade, sente a cidade. Vejo o pôr-do-sol, ouço um pássaro cantando no caminho", diz. Ela passa, porém, por trechos sem calçamento, com mato alto ou piso quebrado, e iluminação precária.
"A cidade, infelizmente, não é feita para pedestres. É feita para carros", diz Daniela, que já reclamou no telefone 156 da Prefeitura, mas até o momento não teve suas demandas atendidas. "Eu não tenho problema de mobilidade. Mas e quem tem?", questiona.
Rotas de caminhada
Segundo o secretário Edson Ortega, o Plano de Mobilidade em construção irá prever a viabilização de "rotas de caminhada" em trechos com grande fluxo de pessoas, para facilitar a locomoção para trabalho, lazer, mesmo entre o local de estacionamento do carro e o destino da pessoa. Esses locais terão diretrizes para estimular as viagens a pé, como arborização no entorno e acessibilidade, afirmou.
Também o calçadão da cidade, na região central, estará em discussão. Segundo a Prefeitura, o uso das calçadas, em especial do calçadão, para "manifestações culturais, políticas, esportivas, religiosas e de lazer (estátua viva, comícios, skate, pregação), além de ambulantes, será debatido no Código de Obras e Lei do Mobiliário Urbano.
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