Relatório publicado pelo Observatório do Clima nesta quarta-feira (13) mostra que a frota de caminhões foi o principal emissor de poluentes climáticos do setor de energia no Brasil no ano de 2016 (o mais recente com dados disponíveis).
O Observatório, uma coalizão das mais relevantes organizações da sociedade civil do setor ambiental, aponta que o transporte de cargas no Brasil emitiu em 2016 quatro vezes mais gases de efeito estufa do que a Noruega emite anualmente.
Em 2016, o setor de energia emitiu 423,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente, ou 19% do total nacional. “São as emissões causadas pela queima de combustíveis fósseis, em especial petróleo e derivados – que respondem por 70% do total emitido“, informa o Observatório do Clima.
O segmento de Transportes é o maior emissor dentro dos setores analisados, sendo responsável por 39% do total das emissões dos setores de Energia e Processos Industriais e Uso de Produtos (PIUP). A Indústria vem a seguir, com 31% do total.
O Relatório afirma que essa situação é “reflexo da grande importância que o petróleo ainda possui na matriz energética brasileira, e indica que a busca pela redução das emissões desses setores, necessariamente, passa pelo desafio de viabilizar e incentivar o uso de fontes energéticas e tecnologias que substituam os derivados de petróleo ou, ao menos, possibilitem a diminuição de seus usos”.
A análise das emissões do setor de energia, feita pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do grupo de organizações ambientalistas, mostra ainda que apenas os caminhões lançaram no ar 84,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente, mais do que todas as termelétricas fósseis em operação no país (54,2 milhões de toneladas).
Dependência do diesel
Uma das conclusões do relatório é que será difícil descarbonizar esse segmento da economia, em especial após a paralisação dos caminhoneiros, que obrigou o governo a aumentar o subsídio ao óleo diesel.
“A necessidade de descarbonizar a matriz de transportes esbarra na grande dependência que o país tem do modal rodoviário como opção para transportar cargas”, afirma nota do Observatório, que ressalta que “dos seis países com maior extensão territorial do mundo, o Brasil é o que mais usa caminhões (65% da carga transportada, contra 53% na Austrália, o segundo colocado, e apenas 8% na Rússia)”.
O Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), uma das organizações integrantes do Observatório do Clima e responsável pelas estimativas de emissões do setor de energia no SEEG, afirma que esse predomínio deve se manter pelo futuro previsível do planejamento governamental.
Greve dos caminhoneiros
André Ferreira, diretor-presidente do Iema e coautor do relatório, afirma que a greve dos caminhoneiros “escancarou a enorme dependência que o Brasil tem do óleo diesel”. André, que produziu o relatório juntamente com David Tsai, Marcelo Cremer, Munir Soares e Felipe Barcellos e Silva, afirma ainda que é preciso “pensar em soluções como a eletrificação da logística, que reduzam essa dependência, mas sem aumentar os custos do transporte de cargas.”
O relatório analítico do SEEG mostra ainda que as emissões do setor de energia sofreram uma redução de 7,3% em 2016 em relação ao ano anterior. O motivo para a redução se deve a alguns fatores, a saber: a recessão econômica, que impactou a indústria e o transporte de cargas; a recuperação parcial dos reservatórios das hidrelétricas, o que permitiu desligar termelétricas fósseis que vinham sendo acionadas na estiagem; o aumento do uso de etanol no transporte de passageiros; e a expansão das usinas eólicas.
Transporte de passageiros
Enquanto o transporte de cargas foi responsável por 39% das emissões de CO2 do setor de Energia e PIUP, o transporte de passageiros, segundo o Relatório, atingiu 19,7% das emissões do mesmo universo, quase a metade.
O Relatório destaca o acelerado ritmo de crescimento das emissões especialmente dos automóveis. “Não por acaso, em 2016, o transporte individual foi responsável por 77% das emissões associadas ao transporte rodoviário de passageiros”, afirma o estudo.
“O ritmo acelerado de crescimento do consumo de energia e de emissões de GEE no transporte de passageiros, entre 2009 e 2014, pode ser explicado por dois fatores principais:
1. o uso cada vez mais intensivo do transporte individual em comparação com o transporte coletivo
2. a redução da participação relativa do etanol no transporte individual motorizado”, conclui o Relatório.
Transporte coletivo
Numa das seções, o Relatório aborda a questão do transporte público coletivo nas cidades. No caso específico de São Paulo, onde a frota de ônibus urbanos é da ordem de 15 mil veículos, o documento cita que ainda é inexpressiva “a adoção de alternativas tecnológicas que não usem óleo diesel de origem fóssil”.
O documento cita as barreiras para a entrada dessas tecnologias alternativas, menos poluentes: “Enquanto o uso do óleo diesel já se apresenta consolidado nos ônibus, o alto custo e a insegurança na oferta de determinados combustíveis (caso do etanol aditivado e do óleo diesel de cana), o aumento no custo de manutenção e operação dos veículos, a menor autonomia (caso do etanol), a baixa qualidade do combustível (muitas vezes relatada em relação ao biodiesel), o alto investimento para infraestrutura (caso do trólebus) e a inexistência de um mercado para veículos usados com tecnologia dedicada a determinado combustível (caso do etanol) são barreiras à entrada dessas tecnologias alternativas”.
E faz um alerta, referente ao custo final da operação, o que impactaria no custo final da tarifa: “Ao prever medidas alternativas para substituição dos combustíveis no transporte público coletivo, é preciso atentar para os potenciais efeitos sobre os custos de operação desse sistema e seus impactos sobre as tarifas cobradas. Corre-se o risco de promover um transporte público com menor emissão de GEE, porém menos acessível”.
Como solução, o documento sugere que são necessários o desenho e a implantação de instrumentos de política pública “que busquem o incentivo à utilização de outras fontes de energia para o transporte coletivo ao mesmo tempo em que assegurem os aspectos de qualidade operacional dos serviços de ônibus e considerem a modicidade tarifária”.
Evitar viagens do modo individual motorizado ou transferi-las para modos de transporte público coletivo e não motorizados. O documento finaliza apontando como isso pode ser alcançado:
“A transferência modal do transporte individual motorizado para modos de transporte público e não motorizados pode ser promovida de duas formas principais e complementares:
1. a ampliação da oferta e melhoria da qualidade do transporte público coletivo e da infraestrutura para modos não motorizados (metrô, BRT, faixas exclusivas de ônibus, terminais de integração, ciclovias, calçadas, etc.), e
2. a adoção de instrumentos que desestimulem o uso do transporte individual motorizado.
Leia a íntegra do Relatório: Relatorios-SEEG-2018-Energia
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