Enquanto governos hesitam, a sociedade se move e inventa soluções para a mobilidade urbana. Quinta-feira passada (1/12), a 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo reuniu experiências bem diferentes relacionadas ao uso da bicicleta no transporte urbano, durante o Seminário Cidades Cicláveis. Sintonizado com a iniciativa, o Mobilize Brasil também participou do encontro.
O bate-papo foi aberto por João Paulo Amaral (JP), coordenador da rede Bike Anjo, que expôs o trabalho realizado por seu grupo para estimular e orientar os novatos que querem pedalar nas cidades brasileiras. João Paulo lembrou que o Bike Anjo começou a atuar em 2010 e rapidamente se espalhou pelo Brasil. "Hoje recebemos contatos de gente de Manaus, do Nordeste, de todo o país, gente que procura um apoio para começar a usar a bicicleta no meio urbano ou quer ser um Bike Anjo", disse ele ao público presente na Oca do Ibirapuera.
Na porta do pavilhão, um sistema de "bike valet" permitia que o público guardasse suas "magrelas" em segurança. O serviço foi montado pela Ciclomídia, empresa do publicitário Edu Grigoletto, que participou do encontro e apresentou suas propostas de paraciclos urbanos patrocinados. O objetivo da Ciclomíria, explicou Grigoçetto, é criar uma rede de paraciclos e bicicletários que sejam patrocinados por empresas em troca da exibição de mensagens publicitárias.
Na sequência, Lincoln Paiva falou sobre o Instituto Mobilidade Verde, organização que desenvolve planos para mobilidade urbana sustentável e que lançou ideias como a Bicicloteca, um triciclo que proporciona o acesso de moradores de rua a livros e também à internet. Paiva lembrou que a biblioteca sobre rodas nasceu de seu encontro com Robson Mendonça, que já desenvolvia um trabalho de distribuição de livros a pessoas em situação de rua. Com o apoio de empresas, hoje já existem 12 Biciclotecas em operação na cidade de São Paulo, contou o diretor do Mobilidade Verde
O arquiteto Ricardo (Tche) Corrêa, da TC Urbes, expôs sua experiência em viagens de bicicletas - a mais longa delas foi até o Rio Grande do Sul - e o projeto que desenvolveu de uma bicicleta adequada ao brasileiro médio e às condições das cidades do país, a bike Urbana. Tchê também apresentou um projeto para renovação urbana da avenida Nove de Julho, em São Paulo, que substitui o corredor de automóveis e ônibus por um sistema de Veículos Leves sobre Trilhos associado a uma ciclovia. No centro da via, o arquiteto propôs a reabertura do rio Anhangabaú - hoje canalizado - para funcionar como um canal de barcas de transporte de passageiros, uma solução que sinaliza o resgate dos milhares de riachos de São Paulo para a vida urbana.
Bicicletário de Mauá
Uma experiência que chamou muito a atenção do público foi a relatada por Adilson Alcântara, da Associação dos Condutores de Bicicletas de Mauá e Região. Ele mostrou a trajetória do bicicletário organizado ao lado da estação de trens da CPTM, hoje considerado o maior do gênero nas Américas. Diariamente, cerca de 10 mil bicicletas são guardadas na instalação, usada principalmente por trabalhadores de baixa renda. A AscoBike é mantida pelos próprios usuários, que pagam R$ 15 por mês. Criada inicialmente por iniciativa de Alcântara, a associação cresceu, implantou uma oficina mecânica e serviço de café para os trabalhadores e recebeu posteriormente o apoio da CPTM, que modernizou e ampliou as instalações.
Outra iniciativa inovadora é a empresa Carbon Zero Courier, fundada por Rafael Mambretti. Trata-se de um serviço de entregas rápidas realizado integralmente por ciclistas e que já funciona há um ano em São Paulo. Ele explicou que mesmo sem contar com veículos motorizados, sua equipe consegue atender a endereços a até 15 km do centro da cidade em poucos minutos. Com o sistema, as empresas contratantes podem reduzir seus custos de courier e também suas emissões de carbono. "No final do ano entregamos um certificado aos clientes mostrando cotas de redução de carbono", contou Rafael.
O olhar voltado para o resgate e a melhoria do ambiente urbano também faz parte do projeto "Cidade para Pessoas", desenvolvido por Natália Garcia. Com uma bicicleta dobrável, a jornalista vem pondo em prática o projeto de viajar por 12 cidades do mundo, viver um tempo em cada localidade, e coletar boas ideias de planejamento urbano que possam inspirar o modelo brasileiro. Até o momento ela visitou sete cidades (Copenhague, Amsterdam, Londres, Paris, Estrasburgo, Friburgo e Lyon), das quais trouxe exemplos e diversas propostas e reflexões sobre como inserir a bicicleta nas cidades brasileiras.
O jornalista Marcos de Sousa, consultor editorial do Mobilize Brasil, apresentou a proposta do Mobilize e mostrou algumas soluções desenvolvidas em várias partes do mundo para facilitar a integração da bicicleta com outros modos de transporte urbano. Ele citou a falta de apoio de infraestrutura no Brasil, lembrando os problemas enfrentados por quem utiliza a bicicleta no metrô de São Paulo, por exemplo, que é obrigado a vencer vários lances de escadas com o veículo nas costas até chegar à plataforma de embarque dos trens. Marcos também comentou as redes de bicicletas públicas existentes no mundo, a partir da experiência de Copenhague, nos anos 1990, e a recém-implantada rede Bike Rio, na capital fluminense.
O Seminário Cidades Cicláveis teve sequência no dia seguinte, sexta-feira, com uma visita à ciclofaixa do bairro de Moema, na zona sul de São Paulo, e um workshop de projetos de ciclovias. O evento foi organizado pelo projeto Soluções para Cidades da Associação Brasileira de Cimento Portalnd (ABCP).