Com texto de Gisele Mirabai, nosso diretor Ricky Ribeiro publica suas reflexões sobre as condições para quem caminha ou circula com uma cadeira de rodas nas cidades do Brasil. O trecho está no capítulo 1 do livro Movido pela Mente.
"...Naquela manhã quente em Recife, deixei o apartamento onde morava e, como fazia todos os dias, segui para o trabalho a pé. Ao lado da bela entrada do edifício, ornamentada com jardins de flores diversas, havia uma parte da calçada bastante esburacada, logo em frente ao loteamento vizinho, impedindo a passagem de pedestres.
Mais uma vez, precisei descer para o leito carroçável da via, local em que circulam os automóveis, para continuar a minha caminhada. Eu já havia tropeçado ali em uma ou outra ocasião, mesmo sendo um pedestre em minhas perfeitas condições físicas. Se fosse um cadeirante, certamente correria riscos bem maiores de acidentes ao ter que trafegar em meio aos carros. Mas como era um caminhante saudável e esportista, no auge dos meus vinte e sete anos, ultrapassei depressa o trecho esburacado e retomei o meio-fio em direção ao meu destino.
Eu poderia seguir em frente e não pensar mais no assunto, mas logo que retomei meus passos sobre a calçada mais regular, apesar dos desníveis e rachaduras, voltei a refletir sobre o hipotético cadeirante, que teria dificuldades de conduzir a sua cadeira em um chão tão desnivelado. Já há algum tempo eu vinha sonhando com uma cidade feita de pavimentos regulares, sem buracos, de preferência com rampas de acesso para cadeiras de rodas, carrinhos de bebê, idosos, pessoas com malas de rodinhas ou qualquer um que precisasse de melhores condições para se mover....
...Desde que havia voltado de Barcelona, sempre que andava pelas ruas do Brasil, fosse em São Paulo, no Rio ou em Recife, de bicicleta, ônibus ou a pé, ia projetando mentalmente ciclovias, estruturas para o transporte coletivo e, é claro, elas, as calçadas.
O tempo de caminhada até o meu trabalho era de apenas cinco minutos e eu os aproveitava ao máximo fazendo exatamente isso, criando em minha mente a cidade ideal, com calçadas largas e protegidas pelas árvores para o conforto de quem anda sob o sol, e bem iluminadas durante a noite, para quem caminha sob a luz da lua. Eu também visualizava faixas para a travessia segura das ruas, semáforos, placas de sinalização e outros equipamentos de segurança, nas vias de maior movimento.
Tinha a consciência de que o Brasil estava longe de chegar naquelas condições, mas também tentava projetar soluções, pensando como estimular as pessoas a denunciar os problemas em suas cidades. Imaginava os cidadãos pressionando as autoridades, e os governos construindo um mundo novo, com uma estrutura urbana de qualidade para todos. Porque, para além das calçadas, o que eu observava mesmo naquele curto período de caminhada era o problema insolúvel a que todos nós tínhamos chegado, não apenas no Brasil, mas na maioria das grandes cidades do mundo..."
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