Os pesquisadores Sérgio Veloso e Vinícius Santiago, da PUC-Rio, publicaram nesta terça-feira (14) os resultados de um estudo sobre as dificuldades enfrentadas pelos 60 mil moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em relação à mobilidade urbana.
O estudo se chama “Ninguém Entra, Ninguém Sai – Mobilidade Urbana e Direito à Cidade no Complexo do Alemão” e foi produzido com apoio da Fundação Henrich Böll Brasil, e com participação de membros da própria comunidade do alemão organizados no Coletivo Papo Reto. “Pensar em mobilidade é pensar em fluxo e em movimento. A violência para. Ela paralisa o fluxo. Então ela é mortal para a própria noção de mobilidade”, disse Veloso ao jornal Nexo no dia do lançamento do estudo.
Veloso é doutor em relações internacionais e tornou-se especialista em pesquisas sobre desenvolvimento urbano nos Brics (acrônimo dado a um conjunto de cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O outro pesquisador que assina o estudo, Santiago, é doutorando em relações internacionais e especialista em gênero, racismo e resistência à violência.
O estudo parte da seguinte premissa, resumida em um dos parágrafos do texto: “Na cidade do Rio de Janeiro, as classes média e alta se encastelam em condomínios fechados dotados de toda sorte de serviços privados, incluindo segurança e mobilidade. Longe dos centros da cidade, os moradores desses condomínios fechados se locomovem em seus próprios veículos ou em ônibus fretados pelo próprio condomínio, não dependendo diretamente da malha pública de transporte urbano”.
O estudo continua: “Na outra extremidade do espectro, os mais pobres e residentes de favelas, principalmente aquelas que se situam na periferia da cidade, como as favelas do Complexo do Alemão, objeto de análise dessa publicação, são mais dependentes de serviços públicos de transporte para acessarem áreas mais centrais da cidades. Para que esses moradores possam exercer seu direito fundamental de se movimentar pela cidade, o poder público tem de oferecer condições para tal”.
Trocas de tiros muda o foco do trabalho
No início do trabalho, o cruzamento entre violência e mobilidade estava presente de maneira sutil, pois se referia sobretudo à violência representada pela própria exclusão urbana. Iniciada a pesquisa, no entanto, os pesquisadores foram surpreendidos. Eles pretendiam conduzir cinco pesquisas de campo no Complexo do Alemão, mas acabaram realizando apenas três, por causa do agravamento da situação de violência na comunidade, com intervenção das Forças Armadas e recrudescimento dos enfrentamentos armados.
“A violência faz com que mover-se se torne um ato de coragem cotidiana, demandando com que os moradores tenham que criar estratégias diárias para simplesmente sair de casa e se deslocar para seus locais de trabalho ou estudo” (trecho do estudo “Ninguém Entra, Ninguém Sai – Mobilidade Urbana e Direito à Cidade no Complexo do Alemão”)
Teleférico paralisado exemplifica situação
A Copa do Mundo de 2014 e Olimpíada de 2016 trouxeram a promessa de investimentos de R$ 18 bilhões em mobilidade urbana para o Rio de Janeiro, dizem os pesquisadores. Desse total, R$ 210 milhões foram investidos diretamente na construção de um teleférico que deveria servir aos moradores no Alemão. A máquina foi inaugurada no dia 8 de julho de 2011, com seis estações e capacidade para transportar 30 mil passageiros diariamente, mas acabou fechada em setembro de 2016, pouco depois de completar quatro anos de funcionamento.
O teleférico servia para transportar moradores do Complexo do Alemão tanto entre os morros que compõem a região quanto de dentro da comunidade para fora. “No teleférico, abandonado e jogado às traças pelo mesmo Estado que o construiu e o apresentou como uma melhoria definitiva para o cotidiano dos moradores do Alemão, mobilidade e violência se somam resultando em um contexto no qual o segundo se sobrepõe ao primeiro, fazendo com que o que já era difícil se torne impossível”, dizem os pesquisadores.
“O teleférico se consolida como um metonímia para a situação atual que enfrenta o Alemão: ‘ninguém entra, ninguém sai’ parece ser o mote de um bairro sitiado por conflitos diários entre polícia e traficantes, no qual ninguém consegue se mover com segurança e, muito menos, com qualidade ou conforto” diz o texto.
Eles informam que o serviço foi paralisado em setembro de 2016 por inadimplência do Executivo no consórcio assumido com a Rio Teleféricos. A relação entre a paralisação do funcionamento do teleférico e a violência está no fato de que os moradores tiveram restringido o direito de ir e vir no interior da comunidade e para fora dela também, acentuando a privação de um direito.
De acordo com a pesquisa, 51,4% avaliavam o teleférico como muito ruim em uma escala de 1 a 5, enquanto que 31,1% responderam que era muito boa, quando ele estava em funcionamento. “O ciclo de dez anos de megaeventos terminou e parte das expectativas não se concretizou. Os engarrafamentos continuam, quase 50% desse recurso foram gastos com apenas cinco estações do metrô. O BRT já está esgotado, o VLT é um transporte utilizado realmente apenas em um período de duas horas do dia, os empregos terminaram e o Rio de Janeiro passa por uma grave crise econômica” (trecho do estudo)
Sem o teleférico, os moradores usam outros meios de transporte para se locomoverem dentro do Alemão e para fora dele também, como mostra o gráfico abaixo:
A menção a “ônibus” esconde, por trás, um emaranhado de possibilidades, que pode envolver mais de um ônibus ou o uso de ônibus combinado com o metrô:
A reportagem entrevista a seguir o autor da pesquisa, Sérgio Veloso. Clique aqui para ver na íntegra a reportagem e a entrevista.
Leia também:
Com teleférico suspenso até 2017, moradores do RJ enfrentam problemas
Teleférico do Morro da Providência tem funcionamento interrompido
Trecho do corredor Transoeste do BRT deixará de funcionar
O transporte de que o Rio precisa