“Sair da garagem preocupado com um ‘prego’ por conta dos problemas nos veículos já virou rotina na vida dos motoristas. A gente tem até que comprar o próprio câmbio (canopla da marcha) para encaixar no ferro, senão corta a mão. Dirijo um ônibus que não tem terceira nem quinta marchas. E isso só pra ficar em alguns exemplos de como o sucateamento do transporte público coloca em risco a vida de trabalhadores e usuários”.
O desabafo é do motorista Raimundo (nome fictício), de 43 anos, e foi feito logo após o ônibus que ele dirigia sofrer - mais uma - pane mecânica, logo nas primeiras horas de ontem, em plena avenida André Araújo, no Aleixo, Zona Centro-Sul de Manaus, e lotado de passageiros. O estresse, conta ele, é diário. E os perigos também.
Além dos problemas no câmbio, o veículo que ele dirige apresenta uma série de problemas, todos ligados à falta de manutenção, denuncia o motorista. Entre eles estão o não funcionamento da rampa de acesso para cadeirantes, que está tomada por ferrugem, portas com defeito e até mesmo a ausência de itens obrigatórios, como extintores de incêndio com carga e dentro da validade. Este último problema foi descoberto apenas ontem, numa emergência.
“Assim que passamos da Bola do Coroado, os passageiros começaram a gritar, pois começou a sair fumaça de um dos pneus traseiros. Parei e corri para usar o extintor, mas ele estava vazio. Ainda bem que não foi nada mais grave, senão o veículo poderia ter pego fogo”.
Extintores de incêndio sem carga e fora da validade: um alto risco à vida dos passageiros. Foto: Euzivaldo Queiroz
Ônibus novos e velhos
Apesar da série de problemas, o ônibus que Raimundo dirige tem “apenas” seis anos de uso - dentro do limite estabelecido por lei, de 10 anos de vida útil. Mas um projeto de lei que pretende expandir essa vida útil para 15 anos preocupa ainda mais os motoristas, que temem riscos ainda maiores, visto que veículos com seis anos, sem manutenção, já estão sem condições de uso. A reportagem flagrou veículos rodando com pneus carecas e até com o vidro dianteiro trincado, o que também é proibido.
A preocupação de Raimundo e de outros motoristas é com uma prática ainda comum entre as empresas: a “maquiagem”. Ônibus “velhos” recebem pintura nova e troca de assentos e voltam a integrar a frota.
Foi o que aconteceu com o ônibus dirigido pelo motorista da Global Green José Ferreira, de 50 anos, que ontem circulava pelo terminal de integração 4, no Jorge Teixeira, Zona Leste. Ele contou que recebeu o “novo” ônibus para trabalhar esta semana. O veículo, que tem 11 anos de uso, foi comprado da Expresso Coroado, passou por “ajustes” e voltou para as ruas, agora atendendo outra zona da cidade. “Aqui é assim; eles maqueiam os ônibus velhos e não duvido que alterem o ano de fabricação. Há muitos bem mais velhos que este circulando pelas ruas de Manaus”, reforçou.
Demanda cresceu, a frota não
Em 11 anos, a frota de ônibus da capital não aumentou. Apesar dos ônibus novos incorporados ao longo desse período, com a retirada de outros, mais velhos, das ruas, o número permanece em 1,5 mil, o mesmo de 2006, segundo informações do próprio Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Manaus (Sinetram). Em reportagem publicada pelo jornal A Crítica em julho de 2006, o então administrador de bilhetagem eletrônica do Sinetram, Antonio Carlos Zanetti, afirmou que a frota, reforçada por novos veículos naquele ano, chegara a 1,5 mil ônibus. Ontem, o Sinetram informou à reportagem que a frota atual é de 1,5 mil veículos.
O detalhe é que, nesse mesmo período, o número de usuários transportados pelo sistema diariamente teve um salto de 33%, passando de uma média de 600 mil para mais de 800 mil pessoas, também de acordo com dados do Sinetram divulgados em 2006 e este ano. E, de lá para cá, ainda foram concedidos, pelo menos, oito reajustes na tarifa, que saltou de R$ 1,80 em 2006 para R$ 3,85 em 2017.
Mesmo com ônibus em péssimas condições, tarifa subiu oito vezes desde 2006. Foto: Euzivaldo Queiroz
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