Morador de Niterói e trabalhando desde 2007 como fotógrafo e designer no Campus Fiocruz da Mata Atlântica, em Jacarepaguá, o carioca Lin Lima gasta em média três horas diárias para ir e voltar para casa no transporte público. Deste cálculo e das experiências vivenciadas no trajeto surgiu a exposição “100 horas”, que o artista abre amanhã na Portas Vilaseca Galeria, sua décima individual e a quarta realizada no Rio.
A dubiedade do título, que faz referência tanto à quantidade de tempo quanto o que é subtraído de seu dia (“sem” horas), é parte da reflexão feita durante anos por Lima, mas que só tomou a forma de oito desenhos e dois objetos que integram a exposição a partir dos últimos meses.
"As horas passadas no transporte público diariamente sempre me afligiam, até o momento que passei para olhar para elas não como perdidas, mas como um tempo ganho. Tenho a oportunidade de atravessar uma cidade rica em seu caos, observar as pessoas, as coisas que acontecem. Aí passei a usar estes momentos para produzir, anotar, fazer fotos e esboços", recorda Lin Lima.
"Como no trajeto eu costumo cochilar, as obras têm um tom onírico, em que se misturam o livro que estava lendo no caminho, as conversas dos outros passageiros, os gritos dos vendedores e os devaneios dos sonhos".
No BRT
Ainda que nem todas as referências sejam evidentes, algumas histórias vivenciadas por Lima ganham contornos mais nítidos nas obras, como uma vez em que o artista acordou e viu um carroceiro atravessando a pista do BRT e pedindo passagem ao motorista. O veículo improvisado foi retratado em um dos desenhos e também virou um objeto na individual.
"Acordei e vi um senhor puxando a carroça ao lado do ônibus, às 8h da manhã, brincando com o motorista, mantendo o humor apesar de toda aquela situação. Logo à frente, passei por uma academia onde várias pessoas corriam sobre esteiras com cara de sofrimento, então pensei no contraste entre o trabalhador que mantém a resiliência e quem se exercita, pagando para 'sofrer'", conta o artista.
Para o artista — que, formado em 2008 pela Escola de Belas Artes da UFRJ, já soma mais de 50 coletivas e trabalhos expostos na França, na Suíça e na Colômbia — as imagens de veículos em situação de imobilidade de suas novas obras fazem um paralelo com a própria situação do país:
"A questão da mobilidade urbana é urgente no país, tanto é que foi o estopim das manifestações de 2013. É algo que me interessa e me afeta diretamente. Da mesma forma, que no trânsito parece que estamos imobilizados pela situação política do país, há tempos não conseguimos sair do lugar."
Lin Lima prepara obra para a mostra 100 horas que abre dia 5, no Rio. Foto: Reprodução (Facebook)
Leia também:
Walking Men Worldwide: bikes e pedestres em arte pública
Mobilidade urbana: cidades brasileiras ainda não saíram do lugar
Acredite: ele vai a nado todos os dias para o trabalho
As 50 cidades com a melhor mobilidade do país