Desde maio tramita na Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei que prevê o compartilhamento das faixas exclusivas de ônibus com ciclistas. Iniciativa do vereador Goura (PDT) - ele próprio ciclista e defensor dos modos ativos (bicicleta e caminhada) -, a medida é justificada como forma de incentivar "a multimodalidade dos meios de transporte", para que haja uma convivência harmônica no espaço público. "Apontamos o caminho do compartilhamento, do respeito, e lembramos que o Código de Trânsito Brasileiro indica que nas vias os veículos de maior porte devem zelar pelos veículos menores e todos devem cuidar do pedestre", declarou o vereador à reportagem do Mobilize. E justifica, citando algumas cidades do mundo que já adotam essa medida, como Paris, Cidade do México, Filadélfia, Boston e Londres.
O vereador Goura em sessão na Câmara Municipal de Curitiba
Por que o projeto?
Na gestão Gustavo Fruet (2013-2016) Curitiba realizou algumas ações de recuperação de ciclovias antigas, que estavam bem degradadas, a implantação do projeto ruas calmas e também programas de educação e de compartilhamento das vias. Talvez a ação mais importante tenha sido a criação das ruas calmas, na área central da cidade, num perímetro de 140 quarteirões nos quais a velocidade máxima foi regulamentada em 40 km/h. E há também uma política de implantação de seis quilômetros de faixas prioritárias para ônibus, que se somam aos corredores exclusivos, estes existentes desde os anos 1970.
Dos 4 mil km de vias de Curitiba, pouco mais de 200 km contam com estrutura cicloviária. Parte deles estão bem deteriorados e não são bons para a segurança dos ciclistas. Como, na falta de ciclovias, os ciclistas já utilizavam os corredores de ônibus para andar de bicicleta, agora, com a implantação das faixas, eles também adotaram esses espaços para circular com mais segurança pela cidade. Nosso projeto busca preservar vidas e aumentar a segurança para os usuários de bicicletas. Prevê que a prefeitura implante uma sinalização adequada, de compartilhamento das faixas, e que os condutores de ônibus sejam treinados para um relacionamento cordial e seguro com os ciclistas. E não se tratam somente de compartilhar a via. É de compartilhar a cidade e não privilegiar apenas um modal. O transporte ativo, não motorizado, deve ser priorizado sempre em detrimento dos meios motorizados.
Onde estão esssas faixas?
Além dos corredores, Curitiba possui atualmente 5,9 km de faixas para o transporte coletivo que comportam o compartilhamento: 1,9 km na rua Conselheiro Laurindo, 2,5 km na av. XV de Novembro e 1,5 km nas avenidas Marechal Deodoro e Desembargador Westphalen. Essas faixas estão localizadas nas áreas calmas, que têm velocidades mais baixas, e nessa atual circunstância, permite o compartilhamento com segurança. É uma alternativa para vias nas quais a prefeitura não tem espaço para a implantação de ciclovias.
Mas e os riscos para os ciclistas?
As cidades se tornaram ambientes hostis para todos os modais e reconhecemos que o compartilhamento das faixas por ônibus e bicicleta tem algum risco, como todos os outros meios de transporte também têm. Por isso, temos que levar em conta que a bicicleta é um modo frágil, suscetível de queda a qualquer raspão de um veículo motorizado.
Nossa proposta não vai colocar o ciclista em situação de risco. É o contrário: o compartilhamento vai trazer mais segurança. Se analisarmos o índice de acidentes em outras vias, onde a bicicleta flui junto aos carros, os registros são maiores. E o trecho de circulação compartilhada ficará nas áreas próximas ao centro da cidade, onde os veículos motorizados devem manter uma velocidade reduzida, compatível aos meios não motorizados. Na Área Calma de Curitiba, por exemplo, a velocidade máxima é de 40km.
Sim, há ciclistas mais ousados, que já usam a faixa do ônibus. Mas, destinar esse espaço à bicicleta não é desestimular seu uso por ciclistas, digamos, 'mais urbanos', além de crianças, idosos etc., público a quem as políticas públicas devem buscar incluir, estimular o uso da bicicleta?
Isso tudo é uma questão de cultura. O que temos visto são mais ciclistas circulando pela cidade. É um movimento sem volta. E ao mesmo tempo ainda temos pessoas com medo de sair de bicicleta para ir trabalhar, estudar etc. E não se pode esperar a infraestrutura para depois sair para pedalar. Por isso, vejo como um estímulo o fato da pessoa poder pedalar na faixa do ônibus. E entendo o motorista, o profissional que dirige o ônibus como uma pessoa que poderá resguardar ainda mais a vida do ciclista. Vamos realizar uma ação de orientação aos motoristas neste segundo semestre.
Goura, na Praça de Bolsoo do Ciclista, em Curitiba
Do ponto de vista do deslocamento do transporte coletivo, andar no ritmo da bicicleta não seria algo prejudicial ao serviço?
Já há uma vantagem de tempo somente de se circular sem ter os carros a frente. Não há mais grandes congestionamentos diante dos ônibus, que na hora pico estão lotados, com seus níveis de ocupação bem acima da média dos carros. Podemos afirmar que o que é prejudicial ao serviço são os inúmero acessos que os veículos têm no decorrer da via, como entradas de estabelecimentos comerciais e de edifícios residenciais. Além das conversões realizadas para outras vias e os inúmeros semáforos a cada esquina. Então, o compartilhamento em parte da faixa exclusiva não vai acarretar prejuízo real ao deslocamento nem à velocidade.
O projeto prevê alguma segregação física entre as faixas para ônibus/bike? De que tipo? Bastariam tachões sinalizadores, ou pintura, ou algo mais reforçado?
As faixas já possuem uma sinalização que a segrega do carro. Será preciso sim sinalizar horizontalmente que a via é compartilhada entre ônibus e bicicleta. Prevemos sim, na proposta, que haverá sinalização horizontal e vertical conforme recomenda o Denatran.
Na falta de área na via, as calçadas, desde que sinalizadas, não seriam local mais apropriado para o compartilhamento, celebrando a convivência de modos afins, como o pedalar e o caminhar?
Boa parte das áreas das cidades, no meio urbano, já é dedicada ao carro. São "faixas exclusivas para carro", sem contar as áreas de estacionamentos, garagens e tudo o mais dirigido aos automóveis. Para os pedestres o que se vê é a supressão de espaços de calçadas para a criação de mais faixas de circulação para os carros. Buscamos sim uma cidade onde todos os modos convivam em harmonia, principalmente em suas regiões centrais. E defendemos de mais ruas pedestrianizadas.
Qual a perspectiva de tempo para a tramitação desse projeto? Cabe ainda mudanças no texto, ou já foi suficientemente discutido? Quais os próximos passos?
Ele será submetido às comissões da Câmara de Vereadores e isso pode demorar 60 dias ou mais. E sim, é possível que possam acontecer mudanças no texto. Nossos grupos de trabalho estão sempre avaliando e debatendo as opiniões, além de termos também a comunidade interessada na discussão. Mensalmente realizamos discussões com grupos de várias áreas, para debater propostas e projetos relacionados à bicicleta e outras questões de mobilidade.
Como Curitiba é uma referência internacional em urbanismo o projeto não poderá ser copiado, talvez em cidades sem a infraestrutura necessária? Não seria um exemplo perigoso?
Na verdade, nós estamos é trazendo para a cidade experiências já realizadas em outras localidades. Nosso projeto busca incentivar uma multimodalidade de meios de transporte, de forma que todos os meios possam conviver de forma harmônica.
Apontamos o caminho do compartilhamento, do respeito, e lembramos que o Código de Trânsito Brasileiro já indica que em todas as vias os veículos de maior porte devem zelar pelos veículos menores e todos devem cuidar do pedestre. Acho que o projeto vem somar no sentido de estimular esse compartilhamento: o ciclista terá que usar as vias e ser respeitado. Claro que nada disso substitui a implantação de ciclovias e ciclofaixas e estamos lutando para que o prefeito atual, Rafael Grecca, dê continuidade ao plano ciclooviário - especialmente na região metropolitana e na região sul da cidade, a mais plana e mais densa. Mas compreendemos que isso é um processo, que deverá avançar até a formação de uma verdadeira rede cicloviária em Curitiba.
Leia também:
Em Curitiba, ciclistas criam uma praça de bolso
Ônibus de Curitiba exibem mensagens de respeito aos ciclistas
Em Curitiba, tráfego de ciclistas pela Via Calma aumenta 132%