Quanto pode crescer racionalmente uma cidade em tamanho e em habitantes? Do que depende? Qual papel os carros terão nas cidades nas próxima década? Como abordar a segurança, o turismo?... Questões como essas, que tratam do futuro das cidades, foram discutidas por e-mail por figuras de ponta do urbanismo, da mobilidade e tecnologia nesta reportagem do jornal El País. Destacamos a seguir as respostas que interessam mais de perto aos leitores do Mobilize; para ler a matéria na íntegra, acesse a página do jornal madrilhenho.
O tamanho da cidade
Norman Foster, arquiteto britânico ganhador do Prêmio Pritzker (1999):
É difícil colocar um limite máximo de tamanho para uma megacidade. A maior, Tóquio, com uma população que supera os 38 milhões de habitantes, proporciona boa qualidade de vida e é uma das regiões mais prósperas do mundo. Há dois aspectos fundamentais que determinam o sucesso de uma cidade: um investimento adequado e contínuo em infraestruturas como transporte público e outros serviços para se adaptar ao ritmo de crescimento da população, e o desenvolvimento de uma planta compacta e densa, com bairros de uso misto que favoreçam a vida urbana.
Alejandro Aravena, arquiteto chileno também premiado com o 'Nobel da Arquitetura' em 2016.
As cidades, mais do que acumulações de casas, são concentrações de oportunidades de trabalho, de educação, de saúde e de lazer. Deveria se garantir que houvesse cada um desses elementos em vez de apontar para a separação e segregação funcional, para o zoneamento. Uma cidade entendida como concentração de oportunidades nos leva a medir a cidade não pelo tamanho ou pela população, mas pelo tempo empregado para fazer o que precisamos e queremos fazer nela. Uma pessoa não deveria gastar mais de 45 minutos para ir de um lugar a outro. Se há sistemas de transporte eficientes, se pode crescer; se há bairros com multiplicidade de funções integradas, a cidade pode ser comprimida. Se gastamos tempo demais, os técnicos e autoridades devem tomar medidas (restringir crescimento, criar novos centros, eliminar zoneamentos ou investir no transporte público de alto padrão) para que se recupere o sentido que nos fez vir primeiramente para as cidades, que é ter melhor qualidade de vida.
Nicholas Negroponte, cofundador do MIT Media Lab:
Não acho que exista um limite de tamanho. Supondo que uma megacidade do futuro possa ter um limite nítido – sem zonas residenciais nem subúrbios como anéis exteriores, aproximando-se assintoticamente do rural – deveria, em teoria, poder abrigar 100 milhões de pessoas. A partir daí, a razão para não crescer mais seria a distância entre elas. Poderiam estar perto demais.
Janette Sadik-Khan, uma autoridade em transporte e desenvolvimento urbano:
Não poderemos eliminar o congestionamento na base de obras. Se duplicarmos a largura das nossas ruas, duplicaremos o congestionamento. Cidades grandes e pequenas já provaram isso durante 100 anos, e tudo que conseguiram é mais tempo perdido em deslocamentos e maiores distâncias de condução, assim como mais mortos em acidentes de trânsito. Precisamos utilizar com mais inteligência nossos bens imóveis mais valiosos: as ruas. As áreas de pedestres, as ciclovias... são investimentos fundamentais que nossas cidades precisam para melhorar a mobilidade, proporcionar acesso ao trabalho e oportunidades de emprego e salvar vidas. As cidades não podem se permitir a relegar ao acostamento aqueles que não dirigem um carro. À medida que cidades como Nova York e Madri crescem e se tornam mais densas e interconectadas, a única forma de avançar é construir ruas que sirvam para todos.
O futuro dos carros
Norman Foster:
O carro consome muito espaço, tanto quando circula como quando permanece ocioso. Na verdade, em 95% do tempo não é utilizado. Caminhar, deslocar-se de bicicleta e um transporte público bem planejado oferecem um uso mais eficiente do espaço. É importante criar um urbanismo de uso misto. Em alguns países os jovens têm menos obsessão por obter o documento de habilitação do que a geração anterior, já não têm a necessidade de ter seu carro, e “consomem mobilidade como serviço”. Conforme evolui a tecnologia, veremos limites cada vez menos nítidos entre os diferentes meios de transporte. Os carros continuarão tendo importância nessa mistura, mas estarão mais integrados no sistema de transporte. Com o tempo serão mais limpos, silenciosos e provavelmente em menor número. Isso melhorará a qualidade de vida urbana, com ruas menores e praças e parques maiores.
Alejandro Aravena:
Deve ser dada atenção à forma como afeta o bem comum. Um ônibus, por exemplo, leva 100 vezes mais pessoas que um carro, portanto tem 100 vezes mais direito de passagem. As bicicletas e pedestres, apesar de serem individuais, ocupam pouco espaço, são eficientes no uso do espaço comum. Os carros, por outro lado, são como transporte de baixa densidade. Por isso, tanto o espaço designado para os carros como os investimentos públicos que se façam em infraestrutura para seu deslocamento deveriam ser coerentes com sua posição no “ranking de prioridade” do bem comum, bem abaixo na hierarquia. Nós que andamos de ônibus devemos entender que deveremos pagar um imposto em tempo. A melhor viagem motorizada na cidade é aquela que não se faz.
Nicholas Negroponte:
Que função terão os carros no futuro? Nenhuma. Não vai haver carros da forma que conhecemos atualmente. Vai haver cápsulas para transportar pessoas e entregar mercadorias, mas não motoristas como você e eu. Um documento de habilitação é como uma licença de portar armas.
Janette Sadik-Khan:
Deveríamos dar aos cidadãos opções de mobilidade: caminhar, andar de bicicleta, locomover-se em transporte público e serviços como Lyft e Uber terão espaço no futuro das nossas cidades. A chave está em evitar os erros do passado, quando deixamos que a tecnologia modelasse nossa comunidade e construímos cidades que serviam aos carros, em vez de lugares para as pessoas. É imperativo que não repitamos esse erro quando, nos próximos anos, começarem a aparecer na internet os carros sem motorista. As cidades devem se unir para garantir que dessa vez seja a tecnologia que trabalhe para elas, e não o contrário. Isso significa exigir o acesso a dados urbanos fundamentais, garantir que as novas tecnologias melhorem a segurança e a mobilidade para todos, e que os cofres públicos se beneficiem da mesma forma que o setor privado.
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