O arquiteto urbanista argentino Willy Müller reside há 30 anos em Barcelona, onde fundou o Instituto de Arquitetura Avançada da Catalunha. Müller esteve há alguns dias na cidade do Rio participando de um evento ao lado de estudantes de arquitetura envolvidos na elaboração de um Plano Estratégico da Região Metropolitana do RJ.
Entrevistado pelo jornal O Globo, Müller fugiu do lugar comum ao criticar as noções atuais que privilegiam a velocidade na mobilidade urbana. Para o urbanista, transportes cada vez mais rápidos podem potencializar o processo de degradação de uma cidade.
"Apesar de as pessoas acreditarem que modernidade é sinal de velocidade, é preciso entender que, muito mais importante que a rapidez de um meio de transporte, é sua frequência. Seja um trem, metrô ou BRT, quanto mais composições estiverem disponíveis e quanto mais integrado for um sistema de transporte, melhor será a locomoção na cidade. Só pensar em transportes rápidos não é o suficiente", observou.
Leia a seguir trechos desta entrevista concedida à jornalista Marina Brandão, de O Globo:
De que maneira os transportes mais rápidos podem prejudicar a mobilidade urbana?
É lógico que transportes modernos e rápidos são uma coisa boa. Mas podem acabar criando uma demanda colateral — pessoas que antes não pegavam um trem, porque levava duas horas para chegar ao destino, por exemplo, agora escolhem esse transporte, que passou a levar pouco mais de uma hora. Essa mudança cria um contingente ainda maior de pessoas circulando no trajeto entre centro e periferia, e intensifica essa bipolaridade. Isso é tapar o sol com a peneira, não resolve os problemas urbanísticos de fato.
O que resolveria?
Ao invés de velocidade, a prioridade deve ser criar condições para que as pessoas possam trabalhar muito mais perto de onde moram. Para isso, temos que compreender as periferias não de maneira negativa, mas como áreas com potencialidades a serem exploradas. Só assim conseguiremos atingir um nível de justiça social.
Como funcionaria esse processo?
As centriferias, como chamo, se baseiam na ideia de que cada uma dessas cidades pode ser central, o que não significa que elas sejam isoladas. Elas podem ser centrais, mas interdependentes. Para isso, é preciso fazer uma nova leitura da periferia, para que essas áreas deixem de ser tão dependentes da cidade principal da região e desenvolvam seus próprios centros.
Parte da revitalização do Porto do Rio foi inspirada no projeto do Porto Madero, em Buenos Aires. Como o senhor avalia a nova Zona Portuária carioca?
A referência argentina foi um grande acerto, pois levou em conta as especificidades de um país tropical, com características que se adequam às brasileiras. Acabar com grandes viadutos também foi uma ótima medida. Apesar disso, temos que entender que, se você está disposto a acabar com grandes vias, tem que estar disposto a sacrificar a velocidade dos carros. Porque, no momento em que só há um nível de passagem para carros e pedestres, é preciso proteger o pedestre. E faltou esse planejamento para o transporte do pedestre do Porto do Rio para outras áreas. É preciso proteger a baixa velocidade, a relação das pessoas com o espaço público. É preciso fazer uma reforma que reative o nível de consciência sobre o que é habitar uma cidade.
*Texto original de Marina Brandão, do jornal O Globo, editado por Regina Rocha/Mobilize Brasil
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