A partir deste domingo (5) o VLT da Baixada Santista passou a operar das 5h30 às 20h, todos os dias da semana. E a partir de abril, anunciou ainda o governo estadual,o transporte circulará até as 23h30 entre São Vicente e Santos (SP). Com a ampliação do horário, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo) espera que a demanda do Veículo Leve Sobre Trilhos chegue a 30 mil usuários/dia no segundo semestre de 2017.
Hoje, quem chega à cidade do litoral paulista, logo tem sua atenção voltada para o ‘bonde moderno’, que passa suavemente, silencioso, em meio à via gramada ladeada por ciclovia e calçadas. Próximo à estação, os pedestres percebem a chegada da composição pelo som de sino que lembra o bonde de outros tempos.
Conversando com moradores, é fácil ver que o VLT já faz parte do cotidiano de santistas e vicentinos, como são chamados os moradores da vizinha São Vicente. O VLT é considerado um meio de transporte de média capacidade, e no caso de Santos cada composição tem sete módulos que comportam, confortavelmente, 400 pessoas.
Fomos conferir: circulamos por várias estações, embarcamos e desembarcamos em vários pontos do trajeto. E pudemos observar que o serviço está sendo usado por pessoas de todos os bairros e extratos sociais. Pela manhã, vimos trabalhadores e estudantes, e nas horas de menor fluxo, gente que toma o bonde para ir às compras, para conhecer o sistema ou somente pela curiosidade do passeio. Crianças (e adultos) ficam divididas entre olhar pela janela ou checar as novidades do interior do trem: painéis eletrônicos, sistema de som e ar-condicionado, portas acionáveis por botão... Os mais curiosos vão para o carro dianteiro para espiar o condutor em ação na cabine.
O primeiro trecho completo, entre Santos e São Vicente, entrou em operação em 31 de janeiro. Antes, desde 2015, já operava parcialmente, apenas ligando bairros de São Vicente. O VLT tem agora 11,5 km de trilhos, com 15 estações entre os terminais Barreiros (São Vicente) e Porto (Santos). Calçada e ciclovia acompanham todo o trajeto e ao longo da via há paraciclos, além de um bicicletário para 80 bikes, ainda por inaugurar. Custo total do empreendimento: 1,2 bilhão de reais, ou cerca de cem milhões por quilômetro.
Conversamos com o engenheiro Carlos Romão Martins, gerente de Projeto e Implantação de Sistemas da EMTU, responsável pelo projeto na Baixada. Na entrevista, realizada na sede da EMTU, em São Paulo, ele previu que “o sucesso do sistema naquela região traz a expectativa de que a tecnologia possa servir de modelo para sua implantação em outras cidades, inclusive de pequeno porte”. Já nos grandes centros, lembra Romão, há o problema da falta de espaço físico, mas que, sendo do interesse da comunidade, isso talvez possa ser contornado pela substituição de corredores de ônibus por sistemas de VLT. Sempre é algo possível, diz ele, desde que precedido de uma discussão com a sociedade.
Por que VLT? A escolha se deve a ser este um transporte de menor impacto ambiental?
Vários estudos modais foram feitos para definir o que deveria ser implantado sobre uma antiga via de trem que passava por ali (entre Santos e São Vicente), e para saber de que modo poderíamos aproveitar ao máximo essa faixa ferroviária existente.
Pensamos por exemplo em outro trem, corredor de ônibus BRT (Bus Rapid Transit) ou mesmo um VLP (Veículo Leve sobre Pneus) para implantar no lugar. E concluímos que o VLT era a opção mais apropriada, pela capacidade do sistema, por ser elétrico, portanto de baixo impacto ambiental e, sobretudo, por ser um transporte silencioso e que oferece o melhor conforto aos usuários. O investimento total do empreendimento do VLT foi de 1,2 bilhão de reais.
Neste primeiro trecho do VLT conseguimos aproveitar em torno do 90% do antigo leito do trem. Lógico, a infraestrutura sobre essa faixa teve de ser totalmente refeita; o trem que ali havia ficou ultrapassado, adotava bitola estreita (bitola métrica), para uma via só. O sistema do VLT usa bitola de 1,435 m, em via dupla.
VLT da Baixada em trânsito na cidade de Santos. Foto: Marcos de Sousa/Mobilize
A que velocidade opera o VLT da Baixada e qual o tempo de percurso?
O VLT trafega no nível da superfície; em alguns trechos a via é segregada, mas há cruzamentos. Assim, o sistema tem de conviver com o trânsito da cidade. No projeto, calculamos velocidade do veículo para até 25 km/h. No começo, andava a 18 ou 20 km/h, mas, ao estendermos a linha, a velocidade baixou um pouco e hoje está em torno de 15 km/h. É uma velocidade adequada, ao menos até que a população e mesmo o condutor se habituem mais com o novo transporte, e até que todos os semáforos estejam ajustados.
O tempo de percurso e o tamanho da frota é que determinam a velocidade. Hoje, o percurso todo é feito em 40 minutos, incluindo o tempo de manobras. Devemos lembrar que o VLT está em fase de teste, e não queremos expor ninguém a riscos.
VLT segue ladeado por área gramada ao longo de quase todo o trecho. Foto: Regina Rocha/ Mobilize
Como é feito o controle da movimentação dos trens do VLT?
No VLT, o condutor é que ajusta o tempo, tanto da abertura das portas nas estações, como também é ele que decide o tempo de abertura dos semáforos e do próprio percurso. É o que chamamos de sistema ‘marcha a vista’ no qual o veículo é conduzido manualmente, com base no campo de visão do condutor. Na outra ponta do sistema, há o centro de controle do VLT, que obtém dados para que estes ajustes sejam feitos e para definir a própria movimentação das composições. O centro de controle envia mensagens ao condutor e este busca recuperar atrasos, por exemplo... É parecido com o que temos no metrô, com a diferença que o metrô circula num ambiente controlado e o VLT convive com as interferências do ambiente da cidade. O condutor recebe – em tempo real – todas as informações do sistema mas tem autonomia para decidir sobre o que vê pela frente, por exemplo se aparece um cachorro ou uma pessoa na via...
Qual a demanda estimada de passageiros para o sistema?
Na primeira fase do VLT (trecho de São Vicente), estávamos com mil, dois mil usuários por dia. Depois, mas antes de completar o traçado atual, a demanda era de 5 a 6 mil passageiros. Agora, com todo o primeiro trecho pronto, chegamos a 14 mil pessoas por dia. Mas ainda não avançamos no projeto de ‘integração forçada’ [quando há uma infraestrutura nas estações que direciona o passageiro a desembarcar do ônibus e seguir viagem por outro modo, no caso o VLT]. Ainda não há a segmentação de linha que vai permitir alimentar o sistema. Porque o VLT é uma linha troncalizadora (como o metrô) e alimenta as linhas de ônibus, que são majoritariamente radiais.
Quanto ao carregamento de créditos nos bilhetes, por ora, como estamos em fase de adaptação com a população, ainda é aceito o pagamento em dinheiro no acesso às estações, mas logo mais só poderá será feito em postos autorizados e em máquinas nas estações.
Passageiros viajam de VLT em Santos. Foto: Marcos de Sousa/ Mobilize
Em que estágio se encontra o processo de integração entre ônibus e o VLT?
Estamos negociando com prefeituras da região para criar convênios com os ônibus municipais. A expectativa é de que neste mês de março o acordo já esteja fechado com Santos. Por ora, a integração existe apenas para as 37 linhas de ônibus metropolitanos, no esquema de ‘integração voluntária’ [na qual o passageiro escolhe entre seguir ou não viagem por um ou mais modos]. Hoje temos inclusive linhas que circulam em paralelo ao VLT, saindo por exemplo de Samaritá (bairro de São Vicente), até o Porto de Santos. Mas, quando o sistema integrado estiver consolidado, algumas dessas linhas irão somente até o terminal Barreiros do VLT; de lá, o passageiro precisará seguir de VLT para completar seu trajeto. Mas somente quando os convênios e as integrações forem sacramentadas poderemos pensar em segmentar estas linhas. No trecho que vai até centro de Santos, devemos tirar de circulação de 37 a 40 ônibus, com ganhos de economia tanto material, de ônibus, como na redução da poluição emitida.
Como foi definido o trajeto do VLT? Ele ocupa a faixa da antiga Sorocabana, entre Santos e Samaritá, não é mesmo?
Sim, majoritariamente... Por todo o trecho, de São Vicente até a divisa com Santos, o VLT corre ao meio de uma avenida com dois viários. Somente em Santos, numa extensão de menos de dois quilômetros, devido às características do crescimento urbano desta área da cidade a partir da ferrovia, é que o desenho teve de ser modificado e saímos um pouco dessa antiga faixa do trem, direcionando a via do VLT para a região do centro.
Mapa do futuro traçado do VLT, pós-ampliação a partir de Conselheiro Nébias até o Centro. Desenho: EMTU
E há planos para seguir com o VLT mais para o sul, ao município de Praia Grande ou mesmo Mongaguá, Itanhaém ou Peruíbe?
O plano hoje é estender a linha, a partir do terminal Barreiros, em direção à São Vicente continental. Ali teremos que vencer uma ponte ali existente, e podemos tanto adequá-la para o VLT como fazer uma nova ponte em direção a Samaritá, o que vai dar uns 7 km a mais. Do lado de Santos, há também o projeto de estender a linha mais 4 ou 5 km, a partir da estação Conselheiro Nébias, em direção à Ponta da Praia.
No projeto pensado bem no início, a ideia era a obra seguir de Samaritá para a Praia Grande, via VLT. Mas reavaliamos esse caminho por ser tratar de uma região cercada de manguezais, o que traria muitas dificuldades construtivas e muitas tratativas com os órgãos de meio ambiente; por isso, estamos reestudando. Outra possibilidade, em discussão hoje com a prefeitura de Praia Grande, é a construção não do VLT, mas de um corredor de ônibus tipo BRT (Bus Rapid Transit) saindo de São Vicente e margeando a rodovia dos Imigrantes, bem paralelo à praia, evitando os manguezais. Houve inclusive um acordo inicial de financiamento com a União, mas também isso não foi adiante. Então, não há nenhuma definição ainda.
Também não há planos para os municípios seguintes do litoral. Talvez um corredor de BRT pudesse ser pensado... mas, é preciso ter cuidado quando se fala em corredores muito extensos, porque em geral deixam de ser funcionais, perdem eficiência. Em casos assim, o melhor talvez seja pensar em linhas menores, com pontos de integração onde o passageiro faça o transbordo.
No VLT, como foi a definição de tecnologias?
A escolha se baseou no que vimos implantado pelo mundo e também em nossa própria experiência com tecnologias avançadas, como o metrô e trens da CPTM. Fizemos as licitações com base nas funcionalidades de retorno tecnológico: economia, rapidez, conforto... Veja o caso do ar-condicionado. Nos últimos anos essa tecnologia avançou para equipamentos mais leves, econômicos, de menor consumo de energia. Fomos buscar para o VLT o que havia de melhor para adaptação no interior dos trens e estações.
Na motorização das composições, há hoje sistemas de propulsão e frenagem em corrente alternada, com mais torque, menor desgaste e gasto de energia do que em corrente contínua, como era antigamente. A evolução mecânica trouxe aos VLTs materiais mais leves e duráveis, certamente, mas eu penso que os maiores avanços estão nos sistemas de controle eletrônico. Toda a parte de monitoramento e captação de dados é feita no VLT com grande velocidade de processamento, o que dá agilidade e segurança que garante o bom funcionamento do sistema.
E a seleção dos fornecedores?
Fizemos uma licitação internacional para escolher empresas que atendessem a todos os requisitos das especificações técnicas. O sistema conta com 22 composições, sendo que os três primeiros trens foram fabricados em Valência, na Espanha, pela empresa Vossloh (incorporada depois pela Stadler) e, após a transferência de tecnologia, as demais 19 unidades foram montadas no Brasil, na fábrica da T´Trans, em Três Rios (RJ).
Como são acionados os semáforos e o sistema de abertura das portas nas estações do VLT?
Os semáforos funcionam em tempo real; têm o ciclo normal, como se vê nos outros semáforos da cidade, mas também há um acionamento automático quando o sistema percebe que há a aproximação do VLT.
Nas plataformas há portas de segurança para o acesso dos passageiros ao trem. Até este momento, essas portas estão instaladas em algumas estações, mas, até final de outubro, estarão em todas. Sobre as estações, vale destacar detalhes da arquitetura, como a cobertura em estrutura metálica, que confere leveza visual.
Estação fechada com vidro e vista para a rua no VLT. Foto: Regina Rocha/ Mobilize
Há planos para melhorar a integração entre ciclistas e VLT? Por exemplo, as bicicletas terão acesso nos trens, como ocorre no metrô de São Paulo?
No metrô de São Paulo as bicicletas são permitidas em fins de semana e horários específicos. No caso do VLT, isso vai depender de alguns protocolos a serem definidos pela operadora (BR Mobilidade), e envolve várias questões não colocadas ainda, como qual a demanda das estações. O que posso afirmar é que, sendo o VLT essencialmente concebido para servir aos que dependem só do transporte, as bicicletas até podem ser admitidas, mas só se houver espaço sobrando...
Por fim, quais são os próximos passos do projeto para a Baixada?
Em agosto, a previsão é lançar o edital para o trecho que vai do centro (estação Conselheiro Nébias) até o centro histórico de Santos, até o Valongo, como é conhecida essa área. Estamos na fase final do projeto executivo e acredito que em março deva estar concluído. Por volta de junho/julho esperamos já ter a licença prévia ambiental para a obra e, em fins de dezembro ou início de janeiro, o inicio de obra desse projeto de extensão do VLT.
Ficha técnica
VLT da Baixada Santista (Trecho Barreiros-Porto)
Coordenação geral: EMTU - Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo
Extensão: 11,5 km e 15 estações
Composições: 22, três fabricadas na Espanha e as restantes na T'Trans, em Três Rios (RJ)
Características dos veículos: 2,65m de largura por 44m de comprimento e 3,20m de altura; capacidade para 400 usuários; velocidade média de 25 km/h (a máxima é de 80 km/h); ar condicionado e piso 100% baixo, facilitando a acessibilidade.
Veja um vídeo na data da visita:
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