Nesta semana chegaram ao Equador as partes da primeira máquina de escavação para os novos trechos do metrô de Quito. Enquanto os 13 conteineres contendo as 55 peças da escavadora "La Guaragua" eram descarregados no porto de Guaiaquil, na capital a obra se tornava o pivô de uma série de polêmicas sobre a possivel elitização de espaços urbanos e do transporte público.
Quito começou sua primeira linha de metrô em 2013, com apenas duas estações construídas pela empresa Acciona. A nova obra, que envolve a construçãode 22 km de túneis e mais 13 estações, começou em janeiro de 2016, com prazo até julho de 2019. Os trabalhos estão sendo desenvolvidos por um consórcio formado pela espanhola Acciona e pela brasileira Odebrecht.
Uma das estações, a da praça San Francisco, ficará no centro histórico e as projeções estimam que por ali circularão 42 mil passageiros por dia. Isso significa que, “com o metrô, as pessoas poderão chegar ao centro por vias distintas”, disse Mauricio Anderson, da Empresa Pública Metropolitana Metrô de Quito (Epmmq), em entrevista à agência IPS. O transporte subterrâneo “evitará o congestionamento de veículos, a vibração e a poluição atmosférica que existem hoje”, ao substituir automóveis e ônibus que deixarão de entrar na área, explicou.
A grande intervenção que significa construir o metrô cruzando esse centro preocupa muitas pessoas. “O metrô não é bom para os pobres, é mais rápido do que o trólebus, mas é mais caro”, enfatizou Manuel Quispe, de 52 anos, que ganha a vida como engraxate na praça San Francisco. Seu colega Jorge Córdoba, de mesma idade, se queixa dos muitos meses de obra parada, inutilizando metade da praça e reduzindo suas rendas, que já são baixas.
Mauricio Anderson rebate e explica que o objetivo da obra é melhorar a qualidade de vida dos habitantes de Quito, com menos tempo de deslocamento, inclusão econômica da periferia, economia de combustíveis, redução de acidentes e ambiente menos poluído, disse Anderson. “Diariamente, 400 mil moradores de Quito utilizarão esse sistema, otimizando outros serviços e aumentando a velocidade atual de deslocamento na cidade, que na superfície é de 13 km/h e no metrô será de 37 km/h”, completou o executivo.
Cidade linear
Como a capital equatoriana é uma cidade em formato longitudinal, alargada ao norte e ao sul a partir do centro, a linha permitirá que quase toda a população urbana disponha de transporte público, a menos de quatro quarteirões de suas residências ou de seus locais de trabalho, segundo estudos que orientaram o desenho do metrô. Será um meio de mobilidade que, com trens que receberão até 1.500 passageiros cada um, “articulará todo o sistema integrado de mobilidade”.
Em 2014, estatísticas indicavam que o sistema de transporte público de Quito atendia a 2,8 milhões de viagens diárias, a grande maioria por ônibus convencionais e parte por um BRT. Os opositores ao metrô argumentam que a otimização do BRT - que atendem as mesmas rotas norte-sul - poderia aumentar o número de passageiros transportados em quantidade superior ao trem subterrâneo, com investimentos bem menores.
Superfície saturada
No entanto, a “a superfície de Quito está saturada, não há verdadeiros corredores exclusivos e o gabarito viário é muito estreito”, disse Anderson, que insiste na maior rapidez e eficiência do metrô, com benefícios para passageiros e para o ambiente urbano. O custo da implantação do metrô será de US$ 2,09 bilhões, “isto é, US$ 89 milhões por quilômetro, cifra que está abaixo da média da região”, ressaltou o gerente do Metrô Quito. De fato, conforme dados do consultor Peter Alouche (ver gráfico), o custo médio mundial para a construção de metrôs está em torno dos 200 milhões de dólares por quilômetro. O projeto em execução foi elaborado pela Metrô de Madri e, segundo a empresa, uma passagem de US$ 0,45 cobrirá os custos de operação e manutenção da primeira linha.
Fonte: Peter Alouche
“Custará muito mais”, duvida Ricardo Buitrón, ativista da organização Ação Ecológica, argumentando que construir um metrô em Quito é complexo e não poderia ser muito mais barato do que no Panamá, por exemplo, onde cada quilômetro custou US$ 128 milhões. Com os investimentos no metrô, “seria possível construir 260 km de corredores exclusivos para ônibus elétricos, mais 40 km de linhas de bonde, como está sendo implantado em Cuenca”, cidade do sul do Equador, indicou Buitrón à IPS. A passagem a US$ 0,45 exigirá subsídios de US$ 100 milhões ao ano, estimou. Em outros países, o custo de operação por passageiro passa de US$ 1,59, justificou o ativista.
“Os subsídios são inevitáveis no transporte público, mas deveriam contribuir para melhorar o sistema”, afirmou Buitrón. Em Quito, por exemplo, poderiam estimular o uso de ônibus elétricos, corrigindo um “retrocesso” que foi a substituição de ônibus articulados elétricos por outros movidos a diesel, mais baratos. O diesel equatoriano é de má qualidade e polui muito, o que pode ser visto pela fumaça negra que emitem, acrescentou.
“O metrô é uma boa solução, que reduzirá o uso de ônibus poluidores e solucionará o congestionamento do trânsito em uma cidade em que tudo passa pelo eixo norte-sul”, detalhou Julio Echeverría, diretor executivo do Instituto da Cidade e ex-professor de política em várias universidades do Equador e da Itália. Mas Quito sofre as consequências de um desenvolvimento urbano “linear, longitudinal”, que já passou. Agora a cidade é “dispersa, fragmentada, se estende para os vales e outras áreas com vocação agrícola, com grande biodiversidade”, explicou.
Quito, com estimados 2,5 milhões de habitantes em seu Distrito Metropolitano, conta com o maior e menos alterado centro histórico da América Latina, que em 1978 foi declarado patrimônio cultural da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Fundada em 1534 em uma longa e estreita escadaria nas ladeiras orientais de um maciço andino, onde fica o vulcão Pichincha, a cerca de 2.800 metros de altitude, a capital do Equador mantém preservado seu centro, com mais de 50 igrejas, capelas e monastérios, além de dezenas de praças.
A transferência negociada de aproximadamente sete mil vendedores de rua para centros comerciais formais, em 2003, e um programa para deixar o centro histórico para os pedestres levaram artes às praças e ruas todos os domingos, durante quase toda a primeira década deste século, ajudando a atrair moradores e um crescente turismo para a cidade. Agora, com a nova estação do metrô, ativistas das sociedade civil temem que o novo sistema de transporte se torne um veículo de elitização dessa área central.
*Edição: Marcos de Sousa | Mobilize Brasil
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