Responsável pelas ações "bicicleteiras" do Itaú, a executiva faz um balanço da iniciativa de estímulo à bicicleta nas cidades brasileiras. E revela o que vem de novo em 2017: melhorias no sistema de bike-share, mais bicicletários, e também algumas surpresas para ciclistas e futuros ciclistas
Passados seis anos de ações para estimular o uso da bicicleta, o Itaú vai continuar esse trabalho? Após as eleições, com as mudanças de prefeitos, podemos acreditar que teremos mais bikes, bicicletários, campanhas educativas?
Entendemos que as mudanças nos gestores municipais dinamizam o diálogo e nos permitem renovar nosso relacionamento com as prefeituras. Esse processo abre novos desafios e oportunidades para os projetos que envolvem as bicicletas nas cidades. Temos que pactuar as propostas com os novos prefeitos e repactuar com quem foi reeleito. Nosso plano para 2017 prevê duas prioridades: o investimento na melhoria da qualidade do sistema de bike-share, a melhoria da oferta de bicicletas - também porque tivemos uma mudança importante em nosso parceiro que faz a operação do sistema - e, sobretudo essa aproximação aos novos gestores municipais.
Quando decidimos iniciar o trabalho com as bicicletas, sempre pensamos que essa iniciativa deveria estar baseada num tripé Itaú-prefeitura-sociedade civil. Em todas as cidades, a prefeitura ou uma secretaria municipal é uma parceira fundamental, assim como as organizações da sociedade. O Itaú apoia o cicloativismo e as lideranças locais para que elas nos ajudem no diálogo com o município e com a sociedade. Não é somente um patrocínio. Envolve discussões técnicas sobre as bicicletas, ações públicas, eventos sobre a bicicleta. E isso vai gerando uma relação viral, que forma cultura e que vai além de uma gestão de quatro anos. Em São Paulo, nós começamos com o ex-prefeito Gilberto Kassab, continuamos com Fernando Haddad e notamos que a bicicleta se consolidou. Em Salvador, começamos com o ACM Neto, que foi reeleito agora e que já está colocando em pauta ações que vão além daquelas que o Itaú propõe...Isso é resultado de um processo que começou lá atrás, mas que foi muito estimulado pela chegada das "laranjinhas".
Em suas palestras você costuma dizer que o Itaú trabalha para estimular o uso da bicicleta nas cidades, sem interesse no marketing, o que parece inverossímil: uma instituição financeira que investe milhões em uma infraestrutura urbana apenas "pela causa". Como isso fica de pé? Vocês já conseguiram avaliar os ganhos de imagem para o Itaú?
Sim, nós já estudamos o assunto e concluímos que a bicicleta é um objeto muito sensível, para o bem e para o mal. A imagem da bicicleta é tão positiva, influenciou com tanta força a imprensa e a opinião pública, que o banco decidiu incorporá-la a suas campanhas de marketing. O Itaú não tem retorno financeiro com nenhuma iniciativa relacionada à mobilidade. O objetivo dessas parcerias é estimular o uso da bicicleta em pequenos trajetos e integrá-la ao sistema de transporte público das grandes cidades. Assim, estimulamos uma mudança cultural nas comunidades em que atuamos.
Criamos as "laranjinhas" por adesão à causa da bicicleta, como meio de transporte, e isso foi positivo. Mas toda vez que temos vandalismo nas estações, toda vez que o nosso operador falha na manutenção das bicicletas, quando uma estação não funciona, tudo isso repercute mal na mídia e na imagem do Itaú. Então, desde 2011 nós já experimentamos os dois lados dessa conta. Mas, sem dúvida, vale a pena porque é uma causa importante para a sociedade e nós estamos promovendo um processo de mudança cultural.
Vamos falar de números. Quantas bicicletas, quantas estações de bike-share mantidas pelo Itaú existem hoje no Brasil?
No Brasil temos 733 estações e 7.340 bicicletas. Foram cerca de 14 milhões de viagens realizadas, o que corresponde a mais de 1.792 créditos de carbono, ou 12 mil árvores salvas. Mas, veja, nós medimos o sucesso do programa não apenas pelas bicicletas que estão nas ruas. Isso porque o peso das ações culturais, do investimento em infraestrutura é tão grande como o das "laranjinhas".
Em São Paulo, por exemplo, nós temos dois bicicletários que são geridos pelo Itaú: o do Largo da Batata (Pinheiros, Zona Oeste), o da avenida Paulista (Região Central) e agora um terceiro, na Vila Mariana (Zona Sul), que será aberto em 2017. Quando iniciamos o projeto, em 2011, sabíamos que o bike-share criaria outras demandas, porque as pessoas seriam estimuladas a usar mais a bicicleta, cada vez mais com suas próprias bicicletas. Agora estamos chegando em uma etapa que nos exige pesquisas, estudos e ações para outros ciclistas, além dos usuários das "laranjinhas".
Você pode dar um exemplo?
Neste momento estamos testando o piloto de um novo portal, o iBike, que por enquanto está aberto apenas para colaboradores do banco e que vai proporcionar a compra de uma bicicleta - infantil, urbana ou mountain-bike, em vários modelos - com subsídio do Itaú. Nesse portal vamos fazer várias campanhas de conscientização ao longo de todo o ano para que as pessoas realmente deixem o carro em casa e passem a usar a bicicleta no dia a dia. Estamos avaliando os comentários e sugestões do pessoal do banco, depois vamos abrir para clientes do Itaú e, mais tarde, para todo o público.
Há algum plano do Itaú para criar produtos, seguros por exemplo, para bicicletas?
Já recebemos muitos pedidos de cicloativistas para ocuparmos esse nicho de mercado, e entendemos que essa é a nossa lição de casa. Estamos estudando o assunto com nossa área de produtos e buscamos exemplos de outros países para entender como eles trabalham e como seria possível adaptar essas práticas aqui ao Brasil. Mas ainda não há nada pronto.
Cidades atendidas no Brasil
São Paulo | 260 estações | 2.600 bikes
Rio de Janeiro | 255 estações | 2.500 bikes
Belo Horizonte | 40 estações | 400 bikes
Salvador | 40 estações | 400 bikes
Porto Alegre | 40 estações | 400 bikes
Recife | 80 estações | 800 bikes
Como vocês enfrentaram os roubos e vandalismo em relação às bikes e estações? Isso foi importante, ou foram casos isolados?
Cada cidade teve um comportamento diferente. Em São Paulo, por exemplo, nós tivemos problemas mais sérios no Centro. Nesses locais, pensamos em inserir as estações em áreas comerciais que fiquem abertas até mais tarde, de forma a que as bicicletas fiquem mais protegidas. Não queremos abandonar o Centro de São Paulo, mas não dá para continuar com o nível de vandalismo que foi constatado.
No Rio de Janeiro também tivemos muitos problemas na área central da cidade e estamos buscando formas de manter as estações naquela região. Estamos verificando como a cidade vai estar agora, depois da Olimpíada, para decidir o que fazer.
Em Porto Alegre constatamos um volume muito grande de depredações e roubos e tivemos que fazer uma parceria com a Guarda Civil Municipal para evitar esse tipo de coisa. Mas vale lembrar que o nosso índice de vandalismo está abaixo da média mundial.
O próprio Velib (sistema de bike-share de Paris) tem uma incidência muito grande de vandalismo nas áreas periféricas. Não é uma coisa só do Brasil, isso acontece em todo o mundo. Isso vai sendo reduzido à medida em que as pessoas entendam que esse equipamento é de uso comum e que a cultura do compartilhamento seja disseminada por toda a população.
E como foi a experiência em Santigo, no Chile? Já há números sobre a operação?
Em Santiago, são 200 estações, com 2 mil bicicletas. Lá nós adotamos uma tecnologia diferente, desenvolvida pela Trek, com um operador local. E as bicicletas são mais robustas do que as que temos aqui, o que fez o projeto ficar mais caro. Por isso, ainda estamos trabalhando para buscar o equilíbrio financeiro, de forma a manter a qualidade do sistema sem onerar muito o usuário final.
Transporte de bikes em São Paulo: operação terá "up grade" em 2017. Foto: Marcos de Sousa
"Pretendemos resolver os problemas e, mais do que isso, superar as expectativas dos usuários"
Há alguma chance de nós ganharmos esse up grade de qualidade também aqui no Brasil?
Neste exato momento estamos finalizando um projeto de melhoramento no bike-share. O plano envolve bicicletas mais robustas, melhorias da tecnologia e da manutenção. Em 2017 esse plano vai trazer um grande ganho para o projeto bike-share como um todo. Pretendemos resolver os problemas e, mais do que isso, superar as expectativas dos usuários. Desde o início temos o apoio de pesquisas da Ipsos Brasil e do Cebrap, mas também contamos muito com o feedback dos cicloativistas e dos usuários para definir as melhorias. Nesse processo trouxemos a Compartibike para dentro do projeto e eles estão pesquisando soluções e tecnologias que poderão ser aplicadas já em 2017. A Serttel está saindo do sistema e em seu lugar entra a Samba, que era de um de seus sócios. Samba e Compartbike estão formando essa nova empresa para esta fase do projeto.
Sempre que fazemos palestras no Rio de Janeiro, as pessoas reclamam que não há estações de bike-share na zona norte, com exceção de uma, dentro do Parque Madureira. Em São Paulo, o pessoal dos bairros além-rios, fora do centro expandido, também reclama muito. Como vai ser a expansão para outras regiões das cidades e quando isso vai ocorrer?
Fizemos um mapeamento das viagens realizadas, dos locais que têm demanda e não contam com estações e vimos também que há algumas estações que são pouco utilizadas. Daí, notamos que apenas com o remanejamento de estações já conseguiremos atingir áreas que hoje não estão cobertas. Isso vai começar a ser feito em 2017, mas primeiro vamos trabalhar para melhorar o sistema existente e também iniciar as discussões com os novos prefeitos.
Aqui em São Paulo sentimos falta de integração entre o bike-share e as estações de metrô, até que porque havia diferenças partidárias entre a prefeitura e governo do estado. Agora, com as duas gestões do mesmo partido (PSDB), você acha que seria mais fácil obter essa integração?
Já estávamos buscando isso e participamos de várias discussões sobre essa integração do sistema. Mas naquele momento ambos os lados - prefeitura e metrô - alegaram dificuldades e não foram adiante. Temos estudos prontos sobre as estações de metrô mais adequadas, com maior demanda...e talvez agora, com a nova gestão e a afinidade partidária entre estado e prefeitura, seja possível avançar.
"Acreditamos que o pilar de mobilização e conscientização é fundamental para a mudança..."
Atividade com crianças durante o Bicicultura 2016, em São Paulo. Foto: Regina Rocha
E o patrocínio às organizações e aos eventos de disseminação da cultura da bicicleta...o Itaú vai manter esse apoio em 2017? O suporte dado ao Bicicultura, por exemplo, foi fundamental para que o encontro se realizasse da forma bonita e consistente que vimos aqui em São Paulo em 2016. Esse apoio vai continuar?
Sem dúvida. Nós vamos patrocinar o próximo Bicicultura, que vai acontecer no Nordeste, e também o BiciRio, no Rio de Janeiro, e levaremos uma delegação brasileira para o Velocity de 2017, na Holanda. Também vamos patrocinar o Velocity 2018, que está previsto para acontecer no Rio de Janeiro. Vamos continuar viabilizando tudo isso por meio de parcerias, e também financeiramente. Acreditamos que o pilar de mobilização e conscientização é fundamental para essa mudança que buscamos.
* Luciana Nicola é Superintendente de Relações Governamentais e Institucionais do Itaú Unibanco
Leia também:
Um conselho aos prefeitos, novos e reeleitos
Sistema de bicicletas compartilhadas de Goiânia começa em novembro
Bicicleta avança em Salvador como meio de transporte #bikeshare #bicicletacompartilhada #bicicleta #bikesampa #bikerio #bikepoa #bikesantiago #bikepe #bikebh