Reformular o sistema de transporte do Rio de Janeiro foi um dos principais temas de debate do primeiro turno das eleições municipais. Vencedores do pleito, os candidatos Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) dedicaram boa parte de seus programas de governo ao setor. As propostas vão da redução do número de radares à criação de uma empresa pública para fazer a gestão do sistema.
A revista Época solicitou a cinco especialistas que, sem saberem sua autoria, analisassem algumas das propostas. Ainda que bem-intencionadas, eles apontaram a falta de proposições que concebam o transporte de forma integrada. “Não consigo perceber uma discussão plena sobre mobilidade urbana no Rio de Janeiro, mas opiniões parciais sobre alguns aspectos ou modais”, diz Mauro Kleiman, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não há uma visão do transporte como uma malha única. Falta uma visão de rede conectada, que inclua uma integração física e tarifária”, diz o professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ, Ronaldo Balassiano.
Crivella
O bispo licenciado e candidato do PRB, Marcelo Crivella, com 27% dos votos no primeiro turno, tem como principal bandeira a conclusão das obras do BRT TransBrasil até 2017 e o aumento da frota em 20% para reduzir a superlotação dos ônibus.
“A obra já está avançada, portanto faz sentido terminá-la, sobretudo do ponto de vista econômico”, diz Pedro Rivera, sócio diretor da RUA Arquitetos. As obras ligarão o bairro de Deodoro ao centro pela Avenida Brasil. Balassiano concorda. “O empreendimento está praticamente finalizado. Agora, é preciso implantar as estações, o que não deve demorar, já que tem responsabilidade compartilhada com as empresas operadoras”, diz. A ideia de aumentar a frota também tem apoio da maior parte dos especialistas – mas não como medida isolada. “Além da expansão, a superlotação do sistema de BRT pode ser remediada por meio da alocação mais eficiente da frota, diminuindo o intervalo entre os ônibus de serviços mais carregados”, sugere Letícia Bortolon, especialista em Direito Urbanístico do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (IPTD).
Crivella também promete fazer uma licitação, no fim do ano que vem, para “recuperar a operação de vans na Zona Oeste, integrando-a aos modais de média e alta capacidade” (ônibus, BRT, metrô e trem). Para os especialistas, a medida deve ser implementada com cuidado e detalhamento. Se aplicada de forma indiscriminada, não melhorará o fluxo na cidade. Isso porque o propósito das vans é garantir uma rede alimentadora de outros meios de transporte, principalmente em áreas onde ônibus não conseguem circular. “É preciso fazer esse tipo de licitação para grupos pequenos em rotas muito bem definidas. No passado, sobrepomos linhas, de forma aleatória, e não funcionou”, alerta Balassiano. Dentro disso, é preciso ampliar a discussão para o uso da bicicleta, por exemplo, como parte do sistema. Hoje, 91% da população do Rio de Janeiro encontra-se a uma distância de até 3 km das redes de transporte de alta e média capacidade, prevê o IPTD.
De todas as medidas de Crivella, a mais polêmica – e sem consistência jurídica – é a que pretende direcionar o ISS recolhido pela Uber, com sede em São Paulo, para financiar um programa de subsídios voltados a modernização e manutenção de táxis no Rio. “Uber e táxi são sistemas independentes, então não vejo o porquê da vinculação”, diz Rivera, da RUA Arquitetos. De qualquer forma, ele diz que é preciso regular a Uber, considerando os atuais impasses tributários e as condições dos motoristas usuários do serviço.
“Não creio ser boa a ideia de taxar o serviço para modernizar e manter os táxis, primeiro pelo fato de já estarem modernizados e bem mantidos por suas cooperativas e pela exigência da legislação sobre o serviço”, diz Kleiman, da UFRJ. Faria mais sentido, segundo ele, usar os recursos no transporte público, e não individual. Segundo os especialistas, o primeiro passo é regulamentar o Uber para saber quais são os recursos arrecadados, bem como dar ao poder público a dimensão sobre a quantidade de carros e áreas de operação. Em São Paulo, o serviço já é regulamentado.
Por fim, Crivella também promete interromper a progressão do processo de “racionalização das linhas de ônibus”, proposto pelo atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB). A intenção do projeto, que começou no ano passado, é evitar a sobreposição de trechos em linhas de ônibus que vão para a Zona Sul, com a extinção de dezenas de trajetos. Para o candidato, a proposta foi desenvolvida de forma unilateral, sem ouvir a população.
Freixo
Para o professor de história e candidato do PSOL, que somou 18% dos votos, a pauta é prioritária. Ao longo da campanha, que tem como lema a construção de uma cidade “pela e para as pessoas”, Freixo defendeu a criação de um fundo para “reduzir progressivamente o preço das passagens e garantir linhas de tarifa zero nas regiões mais pobres”. A medida é ambiciosa, já que o principal desafio da futura gestão é viabilizar investimentos em um cenário de recessão econômica e menor disponibilidade de recursos.
“Na prática, tarifa zero não existe no mundo. Alguém paga por isso. E numa cidade como o Rio, em que há pobreza em toda a sua geografia, o desafio torna a medida inviável”, diz Balassiano, da UFRJ. “Isso [a medida] vai depender da avaliação do orçamento ou da criação de novas fontes de financiamento para subsídio às gratuidades, tendo por base os custos do sistema de transporte”, diz Letícia. A intenção do candidato é elevar o ISS das empresas ônibus, que, atualmente, pagam uma alíquota reduzida, de 0,01%, fazendo com que a cidade deixe de arrecadar R$ 320 milhões, nas projeções do candidato.
Outra medida proposta por Freixo é “criar uma empresa pública para realizar o planejamento, gestão e fiscalização de transportes”, hoje sob a responsabilidade da Secretaria de Transportes. A ideia é vista com bons olhos pela maior parte dos especialistas, mas com ressalvas. Segundo eles, a complexidade do planejamento do Rio seria mais bem gerida com equipes técnicas especializadas, mas deve-se tomar cuidado para a futura companhia não se tornar um “cabide de empregos”, como a Companhia de Transporte Coletivo (CTC), extinta em 1996. No Brasil temos exemplos como a SPTrans (São Paulo), BHTrans (Belo Horizonte), DFTrans (Distrito Federal) e URBS (Curitiba). “Do ponto de vista de viabilizar recursos, seria mais fácil por meio de uma empresa pública estruturada para o planejamento e fiscalização do sistema de transporte, do que apenas em uma Secretaria Municipal, mais focada na formulação de políticas e diretrizes relacionadas ao tema”, diz Diego Silva, mestre em engenharia de transportes do IPTD.
Ao criar um órgão independente, a intenção de Freixo é “abrir a caixa-preta” da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), que congrega dez sindicatos de empresas de ônibus. Por fim, ele defende a utilização de um bilhete único para diferentes tipos de transporte e uma maior integração entre os modais.
Confira as propostas para a mobilidade urbana dos candidatos:
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