Escrevo este editorial na noite de quarta-feira, sob o fundo musical quase contínuo das buzinas que denunciam mais um megacongestionamento nas ruas de São Paulo. E atenção: não estou no centro da cidade, mas em um bairro que um dia já foi residencial.
Como todas as avenidas, ruas e vielas desta paulicéia, a rua onde moro está tomada por filas de automóveis que tentam fugir dos nós que se formam nos corredores viários. Olhando mais de perto, noto que oito entre dez carros transportam apenas uma pessoa, numa média de 1,2 ocupantes por veículo. Encalhados no trânsito, ônibus lotados aguardam a retomada do fluxo: não parece racional que veículos de transporte coletivo fiquem presos nessa arapuca armada pela indústria automobilística com o aval das autoridades públicas.
E não é. Um interessante artigo do professor Ricardo Abramovay, da FEA/USP, tenta mostrar algumas alternativas para a cadeia produtiva do automóvel em face da crise evidente do modelo carrocêntrico. Além da baixa eficiência, o autor destaca os custos sociais do uso indiscriminado do automóvel: a Technische Universitat, de Dresden, Alemanha, estima que esse valor atinja 373 bilhões de euros anuais, só na União Europeia.
Vale lembrar que a Europa é uma das regiões do mundo mais bem servidas por transportes públicos, como atesta o olhar atento de nosso blogueiro Du Dias, do Mobilize Europa. Depois de rodar a Holanda, Alemanha e República Tcheca, ele chega a Viena, na Áustria. E em cada parada vê mais trens, bondes, barcas, ônibus e bicicletas que em toda sua vida no Brasil.
Não por acaso,as cidades brasileiras estão fora da lista das melhores redes de transporte do mundo, conforme levantamento realizado pelo site Inhabitat, ligado ao Boston Architectural College. Deu Tóquio na cabeça, seguida por Nova York, Londres, Paris e Moscou, todas muito bem servidas por sistemas sobre trilhos (metrô, trens e VLTs), ônibus, barcas, ciclovias e também calçadas, para que as pessoas possam deslocar-se a pé.
A propósito, calçadas são o tema da entrevista com o arquiteto paisagista Benedito Abbud, que há 40 anos defende o projeto como fator para a melhoria do ambiente urbano. "As calçadas revelam o caráter de uma cidade. E precisa ter projeto para desenvolver bem uma calçada, com todos os requisitos necessários", resume Abbud.
Enquanto isso, lá na rua, os carros continuam seu buzinaço.
Marcos de Sousa
Editor do Mobilize Brasil