Caminhar pela cidade, tomar o ônibus ou o metrô, ou ainda pedalar uma bicicleta pelas ruas da cidade podem ser grandes lições de cidadania para crianças, jovens e seus pais. A outra opção é mudar para Miami
Antes de mais nada, algumas lembranças. Cursei o ginásio no colégio Albino Cesar, em São Paulo, uma escola pública onde ricos, remediados e pobres convivíamos de forma mais ou menos civilizada. Eu e vários colegas íamos a pé, mas uma boa parte da turma usava o transporte público (ônibus) para chegar todos os dias às 8 horas. Raríssimos tipos eram transportados nos carros de seus papais. Os professores sim, muitos deles chegavam ao trabalho dirigindo fuscas, gordinis, decavês, simcas e aero-willys. Assim, o estacionamento da escola tinha sempre oito ou dez carros parados em cada período.
Vivo hoje em um bairro de classe média, ainda em São Paulo, numa rua calma, bem calma, salvo nos horários de entrada e saída da escola vizinha. É um colégio privado, frequentado por gente de classe média, que chega sempre de automóvel, faça chuva ou faça sol. Todos os dias forma-se uma enorme fila de carros que paralisa a rua inteira, com seus efeitos secundários: fumaça, buzinas e um certo mal humor no ar.
Escrevi esse preâmbulo em primeira pessoa apenas para colocar em cena a polêmica gerada com a implantação de uma ciclofaixa na frente do Colégio Madre Cabrini, na Vila Mariana, em São Paulo, ao lado do metrô e de várias linhas de ônibus. A novidade da faixa vermelha foi recebida com desconfiança pela direção da escola, "em função dos riscos que as bicicletas poderiam trazer", especialmente nos horários de entrada e saída, justamente quando dezenas de automóveis passam pela portaria para recolher jovens e crianças. A postura do Madre Cabrini gerou uma comoção nos setores mais conservadores da sociedade, que - ato contínuo - passaram a questionar o investimento da prefeitura paulistana nesse modo de transporte leve. Apenas para lembrar: ciclistas e bicicletas pesam algo como 100 kg. Carros são toneladas de aço, plástico e combustível, que ocupam muito espaço das cidades.
Em outra parte da mesma cidade, a Escola Viva aproveitou a volta às aulas para realizar uma série de palestras e ações que estimulam alunos, pais e professores a repensar a mobilidade urbana no entorno do estabelecimento. Crianças experimentaram os ônibus do transporte público, circularam nas calçadas para chegar a pé à escola e, os mais crescidos até pedalaram suas bicicletas para ir e voltar das aulas. Claro que nem todos os pais concordaram com a proposta. Mas a polêmica suscitou um debate caloroso para a comunidade escolar, e todos saíram transformados com essa experiência.
Lembro sempre de uma entrevista com o arquiteto (Prêmio Pritzker) Paulo Mendes da Rocha, na qual ele afirmava que o caminho até a escola, passando pelas ruas, praças, pelo transporte público, é a maior fonte de aprendizado que uma criança pode ter: "uma criança que não experimentou a sensação de ir sozinha à escola, tomando o ônibus e vivenciando a cidade, essa criança não foi a escola alguma", disse o mestre arquiteto.
É óbvio que as cidades brasileiras estão longe de ser espaços paradisíacos: temos problemas de violência, os transportes são ruins, a calçadas seguem esburacadas e até as novas ciclofaixas e ciclovias já parecem sujas e envelhecidas. Mas é exatamente aí, nesse terreno perigoso, que precisamos atuar. Ou vamos todos para Miami?
Marcos de Sousa
Editor do Mobilize Brasil