Protestos colocam na pauta a proposta da tarifa zero e abrem polêmica sobre quem deve gerir os sistemas de ônibus do país. Enquanto isso, os trilhos urbanos e sistemas de navegação avançam muito lentamente, quase parando. Como alternativa, cidades investem em ciclovias, mas as calçadas continuam lá, perdidas no fundo do buraco
Manifestações nos centros e periferias de inúmeras cidades brasileiras protestam contra os recentes aumentos nas tarifas do transporte público. A principal reivindicação dos ativistas continua sendo a Tarifa Zero, uma bandeira plenamente realizável para alguns especialistas no tema, como o economista Lúcio Gregori, ou absolutamente utópica para outros, como Otávio Cunha, presidente da associação que reúne as empresas de ônibus que fazem o transporte urbano no Brasil.
Depois dos protestos de junho de 2013, quando milhões de pessoas saíram às ruas, o mínimo que se esperava das autoridades era um pouco mais de transparência na gestão dos sistemas de transportes. Não foi assim e por isso reunimos - na semana passada - uma série de documentos e entrevistas que permitem ao leitor formar uma opinião sobre o tema. De forma geral, os entrevistados concordam que o Brasil cobra muito pelos serviços, mas trata mal o passageiro do transporte coletivo. Daí, o crescente número de carros e motocicletas pelas ruas das cidades. Todos também concordam que o índice de subsídio ao transporte público no país é muito baixo, cerca de 18%, muito aquém dos 60% ou 70% praticados na Europa, América do Norte e Ásia.
Mas, tarifa zero à parte, ativistas e estudiosos do assunto apoiam-se na recente Lei 12587/2012, que define a Política Nacional de Mobilidade Urbana, para argumentar que a forma de contratação das empresas que fazem o transporte urbano somente beneficia as próprias empresas, com graves prejuízos aos usuários. Em São Paulo, por exemplo, as empresas recebem por passageiro transportado e não por viagem realizada. A lei de mobilidade - em vigor desde abril de 2012 - define claramente que a operação do transporte público é função do Estado. Em suma, a solução estaria em novos modelos de contrato, maior rigor na fiscalização dos serviços e o aumento dos subsídios.
Até aqui falamos de ônibus, forma quase exclusiva de transporte em um país que decidiu abandonar os trilhos urbanos. Bondes ou VLTs praticamente sumiram do Brasil e apenas agora começam a retornar em alguns projetos no Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Cuiabá. As redes de metrô são ainda restritas a poucas linhas e, mesmo na cidade de São Paulo, que tem a maior extensão de trilhos,há sinais de paralisia nas obras das novas linhas, como reporta o jornal O Estado de S. Paulo. Em outra matéria, o mesmo jornal revela que o número de viagens do metrô paulistano aumentou três vezes mais do que a expansão das linhas.
Enquanto isso, recebemos de Vitória-ES a lamentável notícia do cancelamento, sem maiores explicações, do projeto aquaviário na baía da capital capixaba. O sistema de navegação faria uma importante conexão entre Vitória e municípios vizinhos, como Vila Velha e Cariacica, permitindo também o transporte de bicicletas nas embarcações.
Bicicletas, aliás, parecem ser a bola da vez entre os prefeitos brasileiros. Por conta disso, os jornais estão repletos de polêmicas sobre as novas redes cicloviárias em lugares como Curitiba, Rio Branco, Teresina, Boa Vista, Campo Grande, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Vitória, entre muitas outras capitais e cidades médias. São obras relativamente baratas, muito visíveis, e produzem resultados importantes para o ir e vir cotidiano. Mas atenção: só fazem sentido se implantadas como um verdadeiro sistema de mobilidade, conectadas entre si, ligadas aos principais terminais de transportes de cada município e dotadas de infraestrutura de apoio, como bicicletários e paraciclos.
Quem não tem bicicleta e não pode pagar o ônibus continua "a pé" nas calçadas esburacadas do Brasil. Há alguns avanços isolados, mas infelizmente o pedestre ainda não conquistou um ativismo capaz de motivar as autoridades, tal como o fizeram os cicloativistas ou os manifestantes do "passe livre". Semana que vem tem mais.
Marcos de Sousa
Editor do Mobilize Brasil