Finalmente chegaram as patinetes nas cidades brasileiras. Pegando carona na onda dos veículos motorizados elétricos, servem para promover a mobilidade de trajetos complementares, ultimamente denominados last mile. Outros preferem denominar o deslocamento que estes veículos fazem como “micromobilidade” por serem em maioria trajetos de extensão menor. Festejados por uns e odiados por outros, tem tudo para se consolidarem como mais uma alternativa de mobilidade, mesmo correndo o risco de serem banidos pelas restrições legais que estão sendo impostas pelo poder público na maioria das cidades brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, um decreto municipal instituiu algumas restrições.
Patinetes – todos sabem – já foram usados na cidade, mas como lazer e brinquedo. Quando criança, eu mesma andava de patinete. Era mais fácil para se equilibrar do que bicicleta, e a queda não causava tanto estrago. Apesar de fazer parte das brincadeiras de rua, também era comum fazer uso dele para ir até a vendinha da esquina comprar alguma coisa para minha mãe. Um detalhe: o patinete que eu costumava usar não era meu, mas emprestado porque meus pais achavam que patinete era coisa de menino.
Agora, patinetes voltaram – e com força total – explorados por empresas que também oferecem aluguel de bicicletas dockless (sem estação). Entretanto, diferentemente das bikes disponibilizadas, os patinetes são motorizados, com motores e baterias elétricas.
Em princípio, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), não poderiam utilizar a rede cicloviária e muito menos a calçada, por serem, na verdade, ciclomotores. E, pela redação do Anexo I da lei, as autoridades deveriam exigir, para seu uso, habilitação e o uso de capacete, como as motos. Mas, em vista a incompatibilidade de tais exigências com o surgimento de ciclos movidos a bateria elétrica com baixa potência, em 2009 o Contran soltou a Resolução 315, atualizada em 2013, com a nova Resolução 465. Ela permite que estes tipos de veículos utilizem a rede cicloviária, trafegando com velocidade máxima de 20 Km/h, e as calçadas, com velocidade máxima de 6 Km/h. Avaliando esses padrões de velocidade pode se concluir que há coerência na velocidade determinada para o uso da rede cicloviária, pois 20 Km/h corresponde à velocidade média da bicicleta em áreas urbanas.
Entretanto, o mesmo não ocorre na velocidade instituída para o uso na calçada pois 6 Km/h é um valor muito elevado em relação á velocidade média da caminhada humana: algo em torno de 4,7 Km/h. Esta é a velocidade da passada adotada pela própria CET para a programação os tempos de travessia dos pedestres (1,2 m/s pelo Manual de Semáforos do Denatran). E mesmo essa velocidade é elevada, ao se considerar a unânime sensação de que somos obrigados a correr para dar tempo de atravessar ruas. Assim sendo, que dizer então dos 6 Km/h indicado como velocidade apropriada aos patinetes? Mesmo pesquisando muito, até agora não obtive qualquer valor de referência que tenha parametrizado esta definição. Cabe ainda ressaltar que este valor consegue ser maior que o dobro da velocidade do idoso, algo inferior a 3 Km/h. Portanto a convivência de pedestres com patinetes nas calçadas com esta diferença de velocidades tem tudo para ser conflituosa, mesmo nas raríssimas calçadas das cidades brasileiras que apresentam condições apropriadas de largura, revestimento e ausência de interferências.
Esta previsibilidade de ocorrência de conflitos entre patinetes e pedestres nas calçadas, se não foi o principal motivo, pesou muito nas restrições que o veículo vem sofrendo. Mesmo em outras realidades urbanas como Barcelona e Paris, onde larguras e condições de calçadas são muito melhores do que as nossas, também foram palco de atropelamentos de pedestres por patinetes e estes episódios certamente foram os responsáveis pelas limitações impostas por prefeituras. Limitações estas que também serviram como referência às condutas adotadas pelas administrações públicas das cidades brasileiras, em especial São Paulo, que já estreou sua fiscalização apreendendo centenas desses pequenos veículos .
Neste cenário tomo a liberdade de expor aqui, como pedestre, a minha forma de convivência pessoal no compartilhar nossas terríveis calçadas com bicicletas, patinetes e outros veículos. Além de tomar todas as precauções relacionadas ao próprio caminhar quanto a buracos, degraus e outras pegadinhas, agora fico alerta também aos tipos de veículos e como estes vão se utilizar da calçada. Tento me impor aos veículos motorizados que entram e saem dos imóveis, mas quando percebo que não vão me ceder o direito de passagem paro para me preservar. Quando vejo ou percebo algum veículo circulando na calçada, seja ele carro, moto, bicicleta, patinete, paro imediatamente e encosto nas paredes e muros até o veículo passar, para me resguardar de qualquer possibilidade de conflito. Pelo menos neste momento é o jeito que encontro para conviver com os outros sócios que são obrigados a procurar a calçada porque nosso ambiente de trânsito motorizado é extremamente selvagem, mesmo não sendo o mais justo porque a calçada é por princípio do pedestre.
Compreendo que é necessário conviver com o compartilhamento de usos na calçada enquanto não há nas cidades uma rede cicloviária com extensão suficiente para atender e acomodar de forma segura e eficiente a todos os deslocamentos dos ciclos, sejam eles bicicletas, patinetes e outros em menor número como skates. Me pergunto o quanto ainda temos que esperar até que haja a divisão justa do espaço público de mobilidade entre todos os seus usuários, sem dar preferência a nenhum. Até quando teremos motoristas habilitados pelas CFCs com condutas que não os preparam para dar prioridade ao pedestre e ao ciclista como determina a lei.
Fatos apontam ser fundamental o estímulo e a priorização das formas de mobilidade ativas e sustentáveis assim como as não tão ativas e sustentáveis assim. Todas elas são necessárias à garantia do futuro das cidades por terem o mérito de tirar automóveis das ruas. A sociedade e o poder público têm consciência deste fato e o processo de mudança já está em curso, mas cada um tem que fazer a sua parte:
Penso que se cada um fizer a sua parte será possível contarmos com formas de mobilidade contemporâneas e eficientes ao ritmo de vida das cidades, onde cada vez mais pessoas vivem.