No último domingo (27 de outubro) o jornal Folha de S. Paulo publicou uma interessante mas triste matéria com o título: “41% das calçadas de SP descumprem o requisito básico e obrigam o paulistano a se equilibrar”.
Esta informação significa que quase metade das calçadas não cumpre o requisito mínimo da largura de 1,90 m exigido por um decreto municipal recentemente assinado pelo prefeito Bruno Covas. Cabe aqui ressaltar que quando se fala de largura de calçada, é tudo, desde o lote até o meio-fio, e não somente a faixa livre para circulação de pessoas, que é definida como passeio.
Portanto, nesta largura estão contidas toda espécie de interferências, autorizadas ou não, como árvores, postes, lixeiras, bancas de jornal, mesas de bares, guias rebaixadas para acesso, veicular, degraus, enfim, toda a espécie de interferência que rouba o precioso espaço do modo de deslocamento mais praticado na cidade: o caminhar.
Repetidamente as pesquisas de transporte como a do Metrô (Pesquisa OD – Origem e Destino, realizada a cada 10 anos) tem apontado que dois terços de todas as viagens diárias realizadas na cidade envolvem um deslocamento a pé como modo único ou complementar às viagens de ônibus, metrô e trem.
Assim, era de se esperar que os espaços públicos da cidade destinados à mobilidade estivessem distribuídos de forma a abrigar com mais justiça e dignidade à representatividade do caminhar na cidade.
Um interessante mapa elaborado pela “Folha” e que acompanha a matéria exibe as áreas da cidade onde as calçadas atendem ao requisito básico da largura mínima de 1,90 m, e nele fica evidente que são os bairros mais centrais, cuja implantação dos loteamentos definidores das larguras das calçadas ocorreram no final do século XIX e até a primeira metade do século passado.
Se formos nos remeter ao cotidiano de mobilidade daquela época, podemos constatar que a maioria das pessoas se deslocava a pé e por transporte coletivo, principalmente o sobre trilhos, os bondes. Poucas famílias tinham automóveis, pois estes eram importados e custavam caro. Os valores obtidos na primeira pesquisa OD do Metrô de São Paulo, realizada em 1967, chegou a pegar esse cenário, apontando que a maioria das viagens (quase 70%) eram realizadas por transporte coletivo.
Cabe observar que nesta primeira pesquisa não foram incluídas as viagens feitas a pé, mas pela representatividade do transporte coletivo fica evidente que as viagens a pé já eram representativas.
O advento da indústria automobilística no Brasil, em meados dos anos 50, provocou mudança nos hábitos e nas formas de deslocamento cotidianos, com bondes trocados por ônibus e o uso cada vez mais intenso dos automóveis, financeiramente mais acessíveis. O próprio desenho da cidade já induziu a essa transformação, com o Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia. Ele foi determinante para o predomínio do transporte motorizado individual, ao estruturar o grosso da rede dos deslocamentos cotidianos sobre de uma malha de infraestrutura viária voltada sobretudo ao motorizado individual.
Assim, ao observarmos o mapa das larguras das calçadas que ilustra a matéria da Folha, que exibe calçadas com larguras menores nos bairros mais distantes do Centro – calçadas de loteamentos mais recentes em relação aos bairros mais centrais de calçadas generosas -, podemos tirar algumas conclusões.
E podemos até especular que o desenho da cidade, em especial o que definiu a largura de nossas calçadas, foi de fato influenciado pela vinda da cultura do predomínio do automóvel.
Isso é particularmente assustador ao compararmos outros importantes estudos, como o realizado pelo portal que nos abriga, o Mobilize Brasil, no recém-publicado Calçadas do Brasil, Relatório Final – Campanha 2019. Nele, a cidade de São Paulo aparece com a melhor classificação quanto à qualidade das calçadas, em relação ao restante das cidades brasileiras. Ou seja, com todos os problemas apresentados na reportagem da Folha, ainda temos aqui as melhores calçadas do país. Aqui, onde o pedestre é ainda a maior vítima do trânsito.